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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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FESTIVAL

"El Juego de la Silla", da diretora novata Ana Katz, foi um dos destaques do evento, que premiou produção francesa

Brasília vê "novíssimo" cinema argentino

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Já existe um "novíssimo" cinema argentino. Enquanto diretores como Juan José Campanella ("O Filho da Noiva") e Marcelo Piñeyro ("Kamchatka") e atores como Ricardo Darín e Leonardo Sbaraglia conquistam projeção internacional e grandes bilheterias, uma nova geração abre espaço ao apostar num cinema experimental com forte relação com o teatro.
"El Juego de la Silla" (O Jogo da Cadeira), exibido no 5º Festival Internacional de Cinema de Brasília, encerrado anteontem, é um exemplo dessa nova safra.
O filme, ainda sem previsão de estréia aqui, é uma comédia familiar de humor negro e tem na direção Ana Katz, 28, ex-assistente de Pablo Trapero ("Mundo Grúa").
O texto foi elaborado a partir de experiências entre a diretora e um grupo de atores teatrais. Conta a história de uma família de classe média portenha que recebe a visita do filho mais velho, Victor, que vive no Canadá. Quando o rapaz chega, sua mãe, suas duas irmãs, o irmão e uma ex-namorada o aguardam com uma intensa programação de entretenimentos caseiros. Aí entram exibições de filmes antigos, "performances" com canções que marcaram sua infância, jogos familiares e refeições intermináveis.
O que começa como um encontro repleto de recordações carinhosas, porém, vai se tornando um embate dramático. Gestos e reações passam a revelar diferenças mal resolvidas, traumas antigos e feridas ainda abertas.
A diretora gosta de defini-lo como uma ""A Noviça Rebelde" destroçada" e transportada para a Argentina atual. Porém, a semelhança com o ambiente claustrofóbico e familiar de outro filme argentino, "La Ciénaga", de Lucrécia Martel, parece traduzir melhor o incômodo que o filme provoca.
Presente no evento, o ator Diego de Paula, 39, que faz Victor, disse à Folha: "Meu personagem representa a crise de identidade argentina. Temos dificuldade de aceitar nossas raízes. Assim como Victor se sente incomodado e sente até mesmo repulsa ao ver a humilhação da mãe e das irmãs para agradá-lo, os argentinos carregam o incômodo de não serem europeus, de viverem no meio de crises e da precariedade".

Cinema valenciano
Além da boa surpresa argentina, o festival reuniu também uma interessante amostragem do cinema espanhol atual, por meio da Mostra Valenciana e da exibição de "Los Lunes al Sol" (As Segundas-Feiras ao Sol), de Fernando Leon de Aranoa, filme vencedor do último Goya.
Em "A Ilha do Holandês", o valenciano Sigfrid Monleón projetou numa ilha imaginária uma utopia à la Charles Fourier. Em 1969, durante a ditadura franquista, um professor universitário e militante comunista (Pere Ponce) é deportado e obrigado a viver numa ilha salineira.
Naquele lugar perdido no tempo, suas idéias revolucionárias se vêem de encontro com uma realidade que é a própria encarnação de seus desejos políticos. Ali vive-se em comunidade, há solidariedade e a economia está fechada para o mundo. Porém, ele assiste à diluição de suas convicções, pois apaixona-se por uma islenha e desiste de fugir para lutar pela resistência a Franco. Vê-se, ainda, ao mesmo tempo amigo de um soldado da temida polícia franquista e defensor da causa dos nativos.
"Quis retratar um lugar esquecido pela história, um refúgio de piratas e de excluídos da política. Um lugar onde um comunista pode se encontrar com suas idéias encarnadas em pessoas e então sim perceber que a vida humana é mais complexa, que não se trata de uma divisão entre branco e preto", disse Monleón, outro dos convidados do festival.
"O cinema de Valência distinguiu-se nos anos 60 por desenvolver um cinema de investigação formal, ao passo que em Madri se fazia cinema político. Hoje somos um foco independente, enquanto Madri sedia a grande indústria do cinema", explicou Monleón.


A jornalista Sylvia Colombo viajou a convite do festival

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