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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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FERNANDO BONASSI

Grandes personagens da nossa história

Tinha aquele que dizia estar perdido. Tinha aquele que garantiu ter encontrado. Tinha aquele que continuava procurando e tinha aquele que se achava. Tinha aquele que chegava como quem não queria nada. Tinha aquele que metia o pé na porta. Tinha aquele que abria.
Tinha aquele que era irmão. Tinha o pai daquela outra. Tinha aquele que veio com a família, teve aquele que fugiu de casa e aquele que empregou toda a indecência dos parentes. Tinha aquele da mala preta, aquele da perna torta, o do saco roxo. Tinha aquele da toga ilibada. Tinha aquele da pizza e o outro da marmelada. Tinha aquele que a pretexto de saúde espalhou doença. Tinha aquele que à propósito de justiça se tornou um criminoso. Tinha aquele que passava ileso nos processos. Tinha aquele que soprava, aquele que alisava e aquele que batia. Tinha aquele da palmatória e aquele do eletrochoque. Tinha aquele da barba, aquele dos pelados e o outro de bigode.
Tinha aquele que diziam que não era. Tinha aquele que assumia que era o próprio. Tinha aquele que roubava mas fazia e aquele estuprava mas não matava. Tinha aquele que era gente boa e aquele que a gente nunca imaginava. Tinha aquele que só de farda. Tinha o outro que não honrava o terno. Tinha aquele de batina, tinha aquele que chorava e aquele que sorria. Tinha aquele da economia, aquele que fazia crescer o bolo e a barriga. Tinha aquele que regulava um pedacinho. Tinha aquele que teve escrúpulos e aquele que os mandou às favas.
Tinha aquele que contava com o beneplácito, o que legislava em benefício e aquele que punia o malefício; nos casos, os alheios.
Tinha aquele que se desdobrava e aquele que se defendia. Tinha aquele que constava em todos os sanatórios. Tinha aquele com cartórios de sua preferência. Tinha aquele do orçamento, do senado, do convento.
Tinha aquele que era torneiro. Tinha aquela que era ambulante, o japonês que era feirante e o ladrão que era banqueiro. Tinha aquele da telefonia. Tinha um que não se comunicava. Tinha aquele que mandava recado. Tinha aquele que perdia a paciência.
Tinha aquele peixe grande. Teve aquele cachorro magro. Tinha aquele que comprou o carro e tinha aquele que era o motorista. Tinha aquele que fazia pagamentos escusos. Tinha aquele que recebia uma parte. Tinha aquele que não prestava e tinha aquele que servia. Tinha aquele que quebrava um galho, o outro que dava um jeito e um terceiro que disfarçava. Tinha aquele que bebia, que dormia, que roncava. Tinha aquele que cheirava cocaína, que fumava maconha e desvirginava menores indolentes. Tinha uma de vestido de oncinha. Teve aquela da foto sem calcinha. Tinha aquele que agenciava e tinha aquele que pedia. Tinha aquele do Fusca e o outro do Rolls Royce. Tinha aquele da periferia e aquele que se achava o centro de tudo. Tinha aquele que chegava antes da hora. Tinha aquele que despistava, aquele que transigia e aquele que atrapalhava.
Tinha aquele que engavetava. Tinha aquele que estornava e aquele que esquecia. Tinha aquele que explorava. Tinha aquele que tolerava. Tinha aquele que consumia.
Tinha aquele que sabia, mas não dizia. Tinha aquele que se fazia de surdo aos desesperados. Tinha aquele que queria entrar pra história dos esfomeados. Tinha aquele que preferiu ficar pra tia. Tinha aquele que era cego e aquele que fazia vista grossa. Tinha aquele que era do grito. Tinha aquele que achava mole. Tinha aquele que obedecia. Tinha aquele que acenava com mundos e fundos. Tinha aquele que nos ferrava nas costas. Tinha aquele que ousava. Tinha aquele que blefava. Tinha aquele que ajoelhava e aquele que rezava. Tinha aquele que entornava. Tinha aquele que não via outra saída. Tinha um cabeludo que cantava. Tinha um careca que acobertava. Tinha um laranja que assinava e um esperto que escapava. Tinha um detetive que descobria. Tinha aquele que era herói e aquele foi morto.
Teve aqueles que esqueceram agendas comprometedoras. Tinha aquele que guardava tudo de cabeça. Teve um que ficou louco. Tinha aquele que lutava, aquele que se entregava e aquele que desaparecia.
Tinha aquele que enterrava sob nome falso. Tinha aquele que assinava o laudo. Tinha aquele que garantia. Tinha aquele que mamava escondido nos seios exuberantes. Tinha aquele que metia os peitos. Tinha aquele que prometia um espetáculo e aquele que fazia escândalo. Tinha aquele que a mulher mandava e aquele que a mulher enganava. Tinha aquele que era homem e aquele que era mulher.
Tinha aquele que tomava passe. Teve aquele que nem tomou posse. Tinha aquele que abençoava e aquele que maldizia. Tinha aquele que era colega de trabalho. Tinha aquele que ordenava e tinha aquele que cumpria. Tinha aquele que era desordeiro. Teve um outro que era feiticeiro. Teve aquele dos fantasmas! Que medo!
Tinha aquele que respondia em cima e aquele que nos pôs pra baixo...
Também tinha aqueles que se foram tarde e tem esses que estão por aí agora...

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