São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

A coluna acompanhou, em Montevidéu, um dia de filmagens de "Blindness", produção internacional estrelada por Julianne Moore e dirigida por Fernando Meirelles

Caio Guatelli/Folha Imagem
A atriz Julianne Moore deixa o hotel às 6h da manhã para filmar


aos olhos da multidão

"What do you want? [o que você quer]? What do you want?". O diretor e ator Antônio Abujamra ergue a voz com a atriz americana Julianne Moore, estrela do filme "Blindness", de Fernando Meirelles. O clima fica tenso. "Get out. Get out of here [saia daqui]!" Julianne sai correndo. Abujamra completa a frase, em português: "Sua puta! Vagabunda!".

 

A equipe que acompanha as filmagens em Montevidéu, no Uruguai, cai na risada. Ou melhor, uma parte dela. No set do filme, uma superprodução de R$ 53 milhões feita com equipe e dinheiro do Canadá e do Japão, só os brasileiros entendem o que diz Abujamra, que faz uma ponta no longa. Ele se vangloria: "Quem pode xingar assim a Julianne Moore? Eu posso!" A atriz sorri para Abujamra -que pergunta, em inglês, se ela entendeu o que ele disse. "Of course [é claro]", diz ela. Em francês, afirma, o significado é o mesmo - "putain" quer dizer "meretriz".
 

O diretor Fernando Meirelles se aproxima para orientar a atriz. Em "Blindness", ela é a mulher do médico de uma cidade em que todos ficaram cegos (o filme é uma adaptação de "Ensaio Sobre a Cegueira", de José Saramago). Julianne é a única que ainda enxerga. Na cena, ela entra numa loja de departamentos para roubar roupas. O dono (Antônio Abujamra) reage aos gritos de "get out".
 

"You enter, look at the watch, you get it, and put it back [você entra, olha o relógio, pega e coloca de volta no lugar]", diz Meirelles a Julianne Moore. E, para Abujamra, em português: "Aqui, você surpreende ela". Tudo pronto? "Rehearsing [ensaiando]", grita um assistente do diretor. "A la gente se pide... Por favor, no está la gente en la cena", diz outro, dirigindo-se em espanhol aos figurantes uruguaios. Tudo ok? "Acting!". A cena recomeça. "Get out!", grita de novo Abujamra. "Puta, vagabunda!". "Cut! [corta]", diz Meirelles. "Eu não resisto", afirma Abujamra.
 

Julianne Moore, que já trabalhou em mais de 40 filmes; que foi dirigida por Steven Spielberg e Robert Altman; que estrelou filmes como "As Horas" ao lado de Meryl Streep e Nicole Kidman, divide opiniões no set de "Blindness". "Ela é perfeita. É tranqüila, tem um equilíbrio muito grande", diz Christian Duurvoort, preparador do elenco. O jeito de Julianne, que é linda, educada, doce, competente, e também distante, fria, perfeccionista, irrita outra ala da equipe. "Ela é uma mala", diz um dos profissionais que trabalham no filme.
 

Nada escapa a Julianne Moore. Se o combinado é que três câmeras registrem uma cena, e na hora da filmagem existem quatro posicionadas, ela logo pára e pergunta: por que a mudança? No domingo, 16, quando a Folha acompanhou os bastidores de "Blindness" em Montevidéu, a atriz passou a seguir a colunista com os olhos ao perceber que anotações eram feitas num bloco de papel. Num dos intervalos, ela veio como uma flecha em direção à reportagem. "Você é da equipe do Fernando?". Não, não: sou jornalista. "Oh! Nice to meet you [prazer em conhecê-la]", diz a atriz. Antes de qualquer pergunta, Julianne começa a elogiar o diretor brasileiro. "Fernando Meirelles é magnífico. Magnífico. É um dos melhores do mundo hoje." Ponto. Julianne tem que voltar à cena. Ela não dá entrevistas. Não conversou com jornalistas no Canadá, onde filmou, ao lado do ator mexicano Gael García Bernal, a primeira parte de "Blindness". Não conversará com jornalistas no Uruguai. Nem no Brasil, onde desembarca nos próximos dias.
 

Do lado de fora da loja de departamentos, esperando a sua hora de filmar, o ator americano Mark Ruffalo (estrela de filmes como "Zodíaco") diz que, no Brasil, não quer apenas trabalhar. "Devo ir para a Bahia conhecer alguma praia", afirma. Ruffalo, com 35 filmes no currículo, diz também que Meirelles é "um dos melhores diretores com quem já trabalhei. Com ele, você sabe que está em boas mãos e se sente seguro, confiante".
 

A equipe de "Blindness", com mais de 200 pessoas, lotou o Sheraton de Montevidéu e causou frisson na cidade. No fim de semana, noivas que se arrumavam no hotel paravam o ator Danny Glover, outra estrela do filme, para fotos. Numa pequena mesa no bar do lobby, Meirelles conversou com a coluna. "Eu não posso. Se eu bebo, não consigo dormir", disse ele, recusando um "vinhozinho, para relaxar", oferecido por sua sócia, Andrea Barata, que também participou do papo.
 

Meirelles conta que, no fim de maio, participou de uma oficina para entender o universo da cegueira. Por cerca de quatro horas, movimentou-se com uma venda nos olhos. "Depois de meia hora, você ouve todos os barulhos, que de olhos abertos nem percebe. Para mim, foi muito agradável. Outras pessoas choravam, entravam em depressão, ficavam irritadas." O ator Mark Ruffalo, por exemplo, "ficou muito angustiado".
 

Meirelles não quer revelar inteiramente como tentará passar, na tela, a sensação de cegueira dos personagens. Diz apenas que vai "desconstruir a visão" com reflexos e imagens duplas. "O filme é todo confuso. Se o cara [personagem] vira para a direita numa cena, na outra, no mesmo lugar, ele vira para a esquerda."
 

Com quatro filmes no currículo, e dois deles, "Cidade de Deus" e "O Jardineiro Fiel", indicados para quatro Oscars cada, Meirelles é hoje o diretor de maior prestígio internacional, que administra o maior orçamento de um longa feito por um brasileiro. A verba de que dispõe para "Blindness", R$ 53 milhões, é cinco vezes maior que a de "Tropa de Elite", que custou R$ 10 milhões. Mais de 75% foi financiado por co-produtores japoneses e canadenses. O filme já está vendido para distribuidores de Inglaterra, França, EUA, Itália e Brasil.
 

"Blindness" tem também parte da verba arrecadada por meio de leis de incentivo fiscal no Brasil. "Podem falar: "Pô, o cara "tá" pegando dinheiro incentivado brasileiro para filmar com a Julianne Moore", achando que o filme é a Julianne Moore. E o filme não é a Julianne Moore", diz o diretor. "Vamos gastar R$ 15 milhões no Brasil. A equipe [no país] terá mais de mil pessoas".
 

Nos próximos dias, Meirelles desembarca em SP para a última parte das filmagens. Onde? Segredo. Embora os produtores calculem que só 2% do total arrecadado nas bilheterias venha do Brasil, Meirelles quer que seu trabalho faça sucesso por aqui. E o suspense faz parte do marketing, ao menos por enquanto. "Meu sonho é que alguém comece a vender "Blindness" como fizeram com "Tropa de Elite" [que foi pirateado meses antes do lançamento oficial]", diz Meirelles. "Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido [com "Tropa']. Eu não apóio a pirataria, ainda mais como é no Brasil, que "nêgo" vende na calçada e pirateia a renda do filme. Mas foi bom. O boca-a-boca foi impressionante. E quem viu o filme na versão pirateada, não mixada, não vai gastar R$ 15 para ir ao cinema. É outro público". O filme de Meirelles tem estréia prevista para 2008.


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