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ENTREVISTA LUIZ CARLOS BARRETO
Com a estréia de seu 62º filme, produtor repassa a carreira de 46 anos no cinema
"Dos filmes que fiz, gosto até dos fracassos"
QUANDO SE pergunta a Luiz Carlos Barreto
qual dos 62 títulos que produziu ele não
faria de novo, a resposta é: "Dos filmes
que fiz, gosto até dos fracassos".
A paixão incondicional pelas obras começou depois dos 30, quando abandonou o emprego de fotógrafo da revista "O Cruzeiro" durante a cobertura da vinda do presidente francês
Charles De Gaulle ao Brasil, para se dedicar a fazer
filmes. Não parou mais. Na semana passada, cruzou o país divulgando "O Homem que Desafiou o
Diabo". E abriu uma brecha para falar à Folha.
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos últimos sete dias, a agenda de Luiz Carlos Barreto
apontava compromissos em
quatro Estados e três ocasiões
em que ele acordaria numa cidade e iria dormir em outra.
Nos últimos 46 anos, a vida
de Barreto teve 61 semanas assim. São os períodos em que ele
avisa a quem estiver na outra
ponta dos telefones (atualmente, carrega sempre dois celulares no bolso): "Estamos em plena campanha de lançamento do filme. Estou pelo Brasil".
O título da vez, o 62º realizado pelo selo Produções Cinematográficas L.C. Barreto &
Filmes do Equador, é "O Homem que Desafiou o Diabo". O
longa tem direção de Moacyr
Goes, Marcos Palmeira como o
destemido e picaresco herói e
lançamento nacional marcado
para a próxima sexta-feira.
"Não quero dizer que você
vai morrer, mas esse é seu filme-testamento como produtor", julgou o cineasta Cacá
Diegues, ao terminar de assisti-lo, em sessão particular, ao lado
de Luiz Carlos, como ele é chamado pelos amigos. Os demais
o tratam por Barretão.
Imortal
Aos 79 anos, Barreto não
pensa mesmo em morrer tão
cedo. "Não tenho a pretensão
de ser imortal, como o Roberto
Marinho tinha. Mas não vejo a
necessidade de um sucessor
para o que faço", afirma o mais
profícuo, mais polêmico, mais
admirado e mais criticado produtor de cinema brasileiro.
Quanto a ter escrito com "O
Homem que Desafiou o Diabo"
um testamento -no sentido de
o filme concentrar o tipo de representação do Nordeste e do
homem nordestino que ele
sempre quis ver nas telas- Barreto está de acordo com Cacá.
"O nordestino sobrevive a
circunstâncias com as quais seria impossível lidar pela força
de seu imaginário", afirma.
Sendo um de 11 filhos de uma
família cearense que venceu no
sul do país, Barreto poderia tomar a si mesmo como exemplo
de sua tese. Mas prefere outro:
"O que é o Lula, senão um produto da força do imaginário dele e de sua mãe? Até o nome ele
mudou! É um Ojuara", diz.
Ojuara é a identidade que o
protagonista de "O Homem
que Desafiou o Diabo" inventa
para si, quando se cansa de levar a vida como José Araújo.
"Charge ao vivo"
Barreto não trocou de nome,
mas mudou de vida aos 35 anos.
Assim como Ojuara, o episódio
que disparou sua transformação foi o de uma humilhação,
que ele julgou estar "velho demais para suportar".
Ele ia pela Cinelândia, com
sua câmera fotográfica a tiracolo, cobrindo a visita ao país do
general e presidente francês
Charles de Gaulle. Era 1964, e
Barreto atuava como repórter
da revista "O Cruzeiro", que foi,
como ele define, "a Globo em
papel de sua época".
Quando viu De Gaulle e o marechal Castello Branco, presidente do Brasil (1964-67), desfilando em carro aberto, Barreto teve a impressão de estar
diante de "uma charge ao vivo,
com aquele tamboretezinho
[Castello Branco] ao lado de
um general que era um obelisco
[De Gaulle]".
Enquanto buscava o melhor
ângulo para fotografá-los, Barreto foi arremessado ao chão
por dois policiais militares. No
canteiro da Cinelândia, levantou-se, espanou o pó do terno e
decidiu que era hora de ir "procurar a turma no cinema".
Glauber Rocha
A turma, a bem da verdade, já
o havia encontrado. De uma visita a Glauber Rocha, na Bahia,
onde o cineasta filmava "Barravento" (1962), Barreto extraiu a
primeira capa de "O Cruzeiro"
dedicada a um filme nacional.
Um clique das atrizes Helena
Ignez e Luíza Maranhão ocupou o lugar de destaque no qual
as divas de Hollywood eram
useiras e vezeiras.
Quando se mudou da Bahia
para o Rio de Janeiro, Glauber
foi morar na casa de Barreto e
de lá articulou as relações que
inicialmente transformaram o
cicerone no fotógrafo que ajudou a reformular a imagem do
cinema brasileiro -com "Vidas
Secas" (Nelson Pereira dos
Santos, 1963) e "Terra em
Transe" (Glauber Rocha,
1964)- e, em seguida, no produtor de todos os grandes nomes do cinema daquele período
-Joaquim Pedro de Andrade,
Cacá Diegues, Roberto Farias,
Walter Lima Jr.
Lucy Barreto, mulher de Luiz
Carlos, começou a atuar ao lado
do marido na produção dos filmes, e os filhos do casal -Bruno, Fábio e Paula- cresceram
em meio a moviolas, retalhos
de filmes e intermináveis discussões cinematográficas.
"Família Titanic"
Era "inevitável", avalia o pai,
que todos adotassem o métier
-Bruno e Fábio são cineastas,
Paula é produtora- e formassem o que ele chama de "uma
família Titanic"; porque, em caso de naufrágio, ninguém escapa, já que estão todos no mesmo barco.
Nos anos 60, as reuniões da
turma do cinema que animavam a casa dos Barreto eram
perpassadas, segundo ele, pela
adesão comum "a um projeto
nacional de cinema, não a um
projeto de cinema nacional".
Nos dias de hoje, "a coisa ficou mais pragmática", avalia
Barreto, e, por isso, "menos
concentrada do objetivo da auto-sustentabilidade, que deveria ser prioritário, porque não é
possível ser eternamente dependente do Estado".
Mas, entre os jovens cineastas, Barreto observa também
um hábito repetido -o de querer ser o que não são. "Querer
ser Glauber prejudicou a carreira de muita gente", calcula.
Quando morava com Barreto, "Glauber escrevia e desenhava seus filmes, diariamente,
das 4h às 10h. Em geral, trabalhava nu", lembra o produtor,
seguro de que o cineasta "não
era porra-louca; tinha grande
senso de responsabilidade", ao
contrário do que apregoa sua
imagem pública.
"Essas lendas foram contaminando jovens cineastas. Embarcaram nessa de que poderiam ser Glauber se fossem livres, espontâneos", afirma.
O modelo "hoje em dia é
aquela câmera solta, desestabilizada, que Fernando Meirelles
domina com maestria e usa
porque é necessário em seus filmes, e não como um modismo
no qual estão querendo transformar esse recurso".
Que muitos queiram ser como Glauber ou Meirelles é algo
que desafia a lógica das exceções, conclui o homem que
ocupa um lugar singular na história do cinema brasileiro. "É
como querer ser Garrincha ou
Pelé. Mas não é todo dia que
nascem Garrinchas e Pelés!"
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