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BIA ABRAMO
Sobreviventes do mundo do espetáculo
Novo reality show da CBS promove uma triste exibição de crianças treinadas pela mídia
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"GRANDES PROGRAMAS de
TV não nascem todos os
dias, crianças, sim". A
frase vem de um esquete criado cinco anos atrás pelo comediante Jamie
Kennedy, em que dois executivos de
TV apresentam a pais incrédulos seu
projeto de um reality show. A paródia coincide com a popularidade dos
programas de competição por sobrevivência, como "Survivor", e, claro, com o que passou pela cabeça de
gente do lado de cá e do lado de lá da
TV: "E se inventarem um reality
show com, digamos, crianças"?
Pois a CBS inventou e conseguiu
convencer 40 pais e mães, à base de
um contrato leonino, a deixarem
seus filhos participar. O primeiro
episódio de "Kid Nation" foi ao ar na
última quarta-feira. O vídeo promocional, amplamente divulgado, na
TV e na internet, explica do que se
trata: 40 crianças entre 8 e 15 anos,
vivendo sem adultos em uma cidade
cenográfica, Bonanza, por 40 dias.
À diferença dos reality shows
adultos, elas não são eliminadas e
podem ir para casa se quiserem. À
semelhança, as crianças são divididas em grupos, têm que competir
por privilégios, são instadas a querer
ganhar prêmios em dinheiro e a inventar maneiras de se organizar e
suprir suas necessidades básicas.
A emissora negou como pôde as
críticas que, claro, começaram a pipocar aqui e ali. No meio dos talk
shows mais ou menos indignados
com denúncias de que algumas
crianças teriam ingerido alvejante e
uma outra teria queimado o rosto
com gordura quente, além de outras,
mais graves, de exploração de trabalho infantil, um espectador anônimo, num desses videocasts espalhados no YouTube, resumia o que deve
ter animado a enfrentar a polêmica
com "consciência limpa": "Uma
mistura de "Survivor" e "O Senhor das
Moscas", quem não vai querer ver?".
O comentarista refere-se ao romance de William Golding, que conta como um grupo de garotos sobrevive a um acidente aéreo e se vê numa ilha deserta. O impacto do livro
consiste em acompanhar a deterioração dos valores civilizatórios dentro de um grupo homogêneo e, em
tese, menos afetado pelo mal por ser
constituído de crianças. É esquemático, mas lá ainda estamos no reino
da elaboração literária, onde, mesmo que os personagens cheguem a
extremos da experiência, não passam de criações mentais .
Em "Kid Nation", nem mesmo essa distinção será possível. O espetáculo de crianças treinadas pela mídia e para a mídia já é, em si, muito
triste. Junta-se a isso a perversidade intrínseca do reality show, que
conduz pessoas reais a se transformarem em simulacros de suas personalidades e aí temos um problema
bem maior do que uma intoxicação
por ingestão de cloro.
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