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DISCO - CRÍTICA
Roteiro é o forte de novo ao vivo de Chico
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Um dos poucos pilares da
MPB que ainda
não haviam se
rendido ao formato ao vivo
nesta abismal segunda metade do
último dos 1900, Chico Buarque
vai ao vendaval e lança -ao menos não tenta maquiar- "Chico
ao Vivo", resultado da ponta paulistana da turnê de "As Cidades",
seu disco de estúdio mais recente.
Gravado em abril, o CD -duplo, com o show na íntegra, o que
também é incomum na enxurrada- ficou sendo chocado nos ninhos da gravadora BMG até agora, para então vir enriquecer o
Natal pré-2000 (o do artista e o da
BMG, mais que o dos ouvintes).
Bem, já que não adianta reclamar (o último artista que lançar
um ao vivo é a mulher do padre),
resta no de Chico se deleitar com
o que ele traz de relevante -a voz
tão suave como nunca, as adições
de arranjo em algumas (poucas)
canções e, em especial, o roteiro.
"Ao Vivo" começa por "Paratodos" (93), manifesto de amor à
música, aos músicos e a Tom Jobim ("meu maestro soberano"),
arranjada de modo a evidenciar
como Chico se autolocaliza em
sua história -os humores nordestinos agrestes, não praianos e
não baianos se avolumam na nova leitura, Chico a declarar descendência de uma bossa mais ampla que a baiana de João Gilberto
e a carioca de Tom Jobim.
"Amor Barato" (81) se emenda
para que ele se insinue compositor deficiente, indigno da corredeira desfiada em "Paratodos"
("eu queria ser/ um tipo de compositor/ capaz de cantar nosso
amor/ modesto"). A verve passional e particular se anuncia em "A
Noiva da Cidade" (76), e aí vêm os
blocos conceituais.
Moto-contínuo, reevoca o
preocupado com a dialética da
malandragem (justapondo "A
Volta do Malandro", 85, a "Homenagem ao Malandro", 78), o
amante da bossa (em duas recentes separadas por "Sem Você", de
Tom e Vinicius), o trovador de feminilidades ("Sob Medida", "O
Meu Amor", "Teresinha", nunca
gravadas antes por sua voz).
O sutilmente político é o próximo (anda fugindo da pecha como
o diabo da cruz), quando os frangalhos de FHC são cutucados em
subtexto nas amorosas "Injuriado" (98) e "Quem Te Viu, Quem
Te Vê" (67). Acaba o disco 1.
O 2 começa por uma de suas
obras-primas, "As Vitrines" (81),
que vem reintroduzir o Chico recente, nômade e sem-terra, pós-desmonte FHC, em "Iracema
Voou" e "Assentamento".
A sequência vem da Cuba de
Pablo Milanés, que trombeteia o
segmento mais ousado, entre a
coisificação pessoal de "Cotidiano" (71), a coisificação nacional
de "Bancarrota Blues" (cantada
primeiro por Nana Caymmi, em
85), a dor do envelhecimento de
"Xote de Navegação" (98), a coisificação global de "Construção"
(71, brilhantemente reconstruída), puras confusão e perplexidade de "Sonhos Sonhos São" (98).
Acontecem ainda algumas coisas até o bis, com "Vai Passar"
(84) e "João e Maria" (77), ambas
de alusão, direta ou não, ao período militar. O que acontece, mais,
é que músicas novas -"Carioca", "Chão de Esmeraldas"- demonstram se empalidecer frente
ao furacão histórico. Mas é algo
que, também, o roteiro se esmera
por desnudar. E é só isso.
Avaliação:
Disco: Chico ao Vivo
Artista: Chico Buarque
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 40, em média
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