São Paulo, Sábado, 23 de Outubro de 1999
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DISCO - CRÍTICA
Roteiro é o forte de novo ao vivo de Chico

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local


Um dos poucos pilares da MPB que ainda não haviam se rendido ao formato ao vivo nesta abismal segunda metade do último dos 1900, Chico Buarque vai ao vendaval e lança -ao menos não tenta maquiar- "Chico ao Vivo", resultado da ponta paulistana da turnê de "As Cidades", seu disco de estúdio mais recente.
Gravado em abril, o CD -duplo, com o show na íntegra, o que também é incomum na enxurrada- ficou sendo chocado nos ninhos da gravadora BMG até agora, para então vir enriquecer o Natal pré-2000 (o do artista e o da BMG, mais que o dos ouvintes).
Bem, já que não adianta reclamar (o último artista que lançar um ao vivo é a mulher do padre), resta no de Chico se deleitar com o que ele traz de relevante -a voz tão suave como nunca, as adições de arranjo em algumas (poucas) canções e, em especial, o roteiro.
"Ao Vivo" começa por "Paratodos" (93), manifesto de amor à música, aos músicos e a Tom Jobim ("meu maestro soberano"), arranjada de modo a evidenciar como Chico se autolocaliza em sua história -os humores nordestinos agrestes, não praianos e não baianos se avolumam na nova leitura, Chico a declarar descendência de uma bossa mais ampla que a baiana de João Gilberto e a carioca de Tom Jobim.
"Amor Barato" (81) se emenda para que ele se insinue compositor deficiente, indigno da corredeira desfiada em "Paratodos" ("eu queria ser/ um tipo de compositor/ capaz de cantar nosso amor/ modesto"). A verve passional e particular se anuncia em "A Noiva da Cidade" (76), e aí vêm os blocos conceituais.
Moto-contínuo, reevoca o preocupado com a dialética da malandragem (justapondo "A Volta do Malandro", 85, a "Homenagem ao Malandro", 78), o amante da bossa (em duas recentes separadas por "Sem Você", de Tom e Vinicius), o trovador de feminilidades ("Sob Medida", "O Meu Amor", "Teresinha", nunca gravadas antes por sua voz).
O sutilmente político é o próximo (anda fugindo da pecha como o diabo da cruz), quando os frangalhos de FHC são cutucados em subtexto nas amorosas "Injuriado" (98) e "Quem Te Viu, Quem Te Vê" (67). Acaba o disco 1.
O 2 começa por uma de suas obras-primas, "As Vitrines" (81), que vem reintroduzir o Chico recente, nômade e sem-terra, pós-desmonte FHC, em "Iracema Voou" e "Assentamento".
A sequência vem da Cuba de Pablo Milanés, que trombeteia o segmento mais ousado, entre a coisificação pessoal de "Cotidiano" (71), a coisificação nacional de "Bancarrota Blues" (cantada primeiro por Nana Caymmi, em 85), a dor do envelhecimento de "Xote de Navegação" (98), a coisificação global de "Construção" (71, brilhantemente reconstruída), puras confusão e perplexidade de "Sonhos Sonhos São" (98).
Acontecem ainda algumas coisas até o bis, com "Vai Passar" (84) e "João e Maria" (77), ambas de alusão, direta ou não, ao período militar. O que acontece, mais, é que músicas novas -"Carioca", "Chão de Esmeraldas"- demonstram se empalidecer frente ao furacão histórico. Mas é algo que, também, o roteiro se esmera por desnudar. E é só isso.


Avaliação:    


Disco: Chico ao Vivo Artista: Chico Buarque Lançamento: BMG Quanto: R$ 40, em média

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