São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 2000

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WISLAWA SZYMBORSKA
"A Alegria de Escrever"

Aonde é que, pela floresta escrita, esta corça escrita corre? Rumo à água escrita de uma fonte cuja superfície há de xerografar seu focinho macio? Por que ergue a cabeça; terá ouvido algo? Apoiada em quatro delgadas pernas emprestadas à realidade, ela escuta atenta sob as pontas de meus dedos. Silêncio esta palavra também cruza sussurrando a página, e aparta os ramos nascidos da palavra "floresta". Prontas para o bote, há letras mal-intencionadas de tocaia, garras de orações tão subordinadas que jamais hão de deixá-la escapar. Há em cada gota de tinta uma provisão de caçadores de olhos semicerrados por detrás das miras, que estão dispostos a descer a encosta da caneta, encurralar a corça e apontar-lhe as armas devagar. Esquecem que o que está aqui não é a vida. Aqui, preto no branco, são outras as leis. Um piscar de olhos há de durar quanto eu quiser, subdividindo-se, se eu assim o desejar, em mínimas eternidades, cheias de balas sustidas em pleno vôo. Nada que eu não mande há de acontecer. Sem minha permissão, nenhuma folha há de cair


TRADUÇÃO Nelson Ascher



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