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25ª MOSTRA BR DE CINEMA DE SÃO PAULO
"LAVOURA ARCAICA"
Adaptação de romance homônimo de Raduan Nassar é exibida hoje e amanhã
Carvalho faz retrato do tempo
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Pedro é o primogênito que
zela pela tradição, seguindo a
prece de pureza austera do pai.
Ele encabeça a ala direita da mesa,
o galho que se desenvolveu naturalmente do tronco familiar.
André é o filho torto, o epiléptico, o possuído, que levou seu
amor visceral pela família até as
últimas consequências. Ele faz
parte da ala esquerda, o galho enxertado da árvore familiar, encabeçado pela mãe, cuja afetividade
cega (e táctil) acabou por germinar, em meio ao templo paterno,
uma semente de perdição.
Em relação a Raduan Nassar, o
pai dessa que é uma das histórias
mais belas da literatura brasileira,
Luiz Fernando de Carvalho, o diretor de "Lavoura Arcaica", comporta-se como Pedro. Paciente e
laboriosamente, segue as palavras
do "pai" ("amor, união, trabalho"), mantendo-se escrupulosamente fiel à poesia e ao ritmo, às
imagens e à estrutura do texto de
Nassar. Mais do que apostar no
potencial cinematográfico do romance ou no potencial romanesco do cinema, Carvalho faz uma
aposta no tempo.
Fiel à letra, a adaptação de Aluisio Abranches para "Um Copo de
Cólera", o outro romance de Nassar, também era. Se a adaptação
de Carvalho, ao contrário da de
Abranches, chega ao espírito do
livro, é porque Carvalho teve não
apenas talento, mas paciência. Ele
se curvou, tal como reza o preceito paterno do livro, à vontade do
tempo, servindo-se da literatura
para descobrir, pouco a pouco,
durante o filme, o seu cinema.
Pedro encontra André. O filme
ainda não encontrou o livro. Em
princípio, durante a conversa dos
irmãos, Carvalho corre atrás de
Nassar, contentando-se em ilustrar, redundante, o texto do outro,
tal como a imaginação de Pedro,
sempre incapaz de alcançar os
desvarios do irmão desgarrado.
Quando a mise-en-scène de
Carvalho o leva naturalmente a
criar um signo ótico ou sonoro
puro (como o som progressivo e
orgástico do trem do primoroso
plano de abertura), independente
do texto, seu filme cresce.
Mas o cineasta só alcança o texto quando encontra a dimensão
própria do tempo, esse tempo de
espera da casa velha onde André
tece a armadilha para sua irmã,
Ana. Filme e livro passam então a
caminhar lado a lado, num processo que parece simultâneo ao
lento desvelar da paixão incestuosa do filho torto pela irmã faceira
-tema trágico já visitado por
Carvalho em "Os Maias".
Tema central do livro, o tempo,
paciente e laborioso para o pai, algoz e demoníaco para o filho, pareceu uma preocupação sempre
presente nas investigações estéticas de Carvalho: dos planos longos de suas primeiras novelas ao
andamento viscontiano de "Os
Maias". Era o que o afastava da
TV e o aproximava do cinema.
Descobrindo o tempo interno
de seu filme, Carvalho descobre o
cinema, uma revelação. "Lavoura
Arcaica" -que compete no Festival de Roterdã entre 23 de janeiro
e 3 de fevereiro- faz-se então um
filme sobre as diversas maneiras
que o tempo tem de passar sobre
os personagens e as diversas maneiras que os personagens têm de
passar no tempo.
Lavoura Arcaica
Direção: Luiz Fernando Carvalho
Produção: Brasil, 2001
Com: Selton Mello, Leonardo Medeiros
Quando: hoje, às 20h10, no Espaço
Unibanco; e amanhã, às 17h, no Cinearte
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