São Paulo, terça-feira, 23 de outubro de 2001

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"JUHA"

Aki Kaurismäki homenageia a pureza

CRÍTICO DA FOLHA

Ao contrário de seu irmão Mikka, também cineasta, Aki Kaurismäki ("La Vie de Bohème") integra o primeiro time do cinema europeu contemporâneo.
Depois de "Nuvens Passageiras" (1996), ele se dizia decidido a parar -queria voltar a investir na carreira de escritor-, mas o projeto de "Juha", quarta adaptação cinematográfica do romance de Juhani Aho, foi suficiente para demovê-lo da idéia.
O que não deixa de ser curioso: afinal, essa homenagem à pureza e à inocência do cinema mudo parece contrariar seu estilo usualmente lacônico e minimalista. Estilo que o filia ao cinema de Robert Bresson, via Jim Jarmusch. Mas o silêncio sempre foi um elemento central do cinema de Kaurismäki. Além do mais, essa tentativa de recuperar a inocência dos primeiros tempos é também típica do moderno cinema francês.
Os primeiros filmes da nouvelle vague, filmes dos "filhos da cinemateca", também partiam dessa proposição: retomar a inocência do primeiro cinema por um desvio do saber. François Truffaut falava em recuperar a saúde do cinema mudo, e Jean-Luc Godard dizia ser necessário pensar a história do cinema toda de novo, como que pela primeira vez.
O gesto de Kaurismäki é menos histórico e mais puramente retrógrado: realizando uma versão muda de "Juha", clássico finlandês cuja primeira adaptação data de 1920, 70 anos depois da morte do mudo, ele visa claramente nos lembrar de uma inocência inelutavelmente perdida.
O romance de Aho trata da história do envolvimento da jovem mulher de um velho camponês com um belo viajante russo. Kaurismäki faz do viajante um playboy urbano, que conquista a camponesa para prostituí-la na cidade grande. O "Juha" melô de Kaurismäki lembra os filmes americanos de Murnau ("Aurora" e "City Girl") em sua visão da metrópole como lugar da degenerescência, do vício e do pecado.
É a visão dos críticos reacionários do começo do século diante da modernidade urbana. Mas a ingenuidade está mesmo na crítica, a exemplo da "metáfora" (típica do mudo) em que Kaurismäki associa o sexo ao fluxo das águas do degelo primaveril.
(TIAGO MATA MACHADO)


Juha
   
Direção: Aki Kaurismäki
Produção: Finlândia, 1999
Com: Sakari Kuosmanen, Kati Outinen, André Wilms
Quando: hoje, às 22h10, no Unibanco Arteplex; dia 27, às 21h40, na Sala UOL; e dia 31, às 19h, no Cinemark Market Place



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