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São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2003

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"MARIA, MÃE DO FILHO DE DEUS"

Filme revela-se mais interessante que produção atual

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Pode-se virar as costas a "Maria, Mãe do Filho de Deus" e partir para os divertimentos mais atrevidos da Mostra, por exemplo. Mas seria, de certo modo, uma pena.
"Maria" possui algumas qualidades surpreendentes e outras nem tanto. Nessa segunda categoria, encontra-se o esforço para reviver a tradição popular do cinema brasileiro e, mais, a tradição tão cinematográfica do filme oportunista (juntar a fé com um personagem de prestígio na mídia, no caso).
O fato é que, não só por isso, "Maria" revela-se um filme bem mais interessante do que a quase totalidade da produção brasileira no momento. Isso se dá, em parte, por fatores extracinematográficos. Trata-se de um esforço evangelizador do catolicismo. Todos sabemos que o catolicismo investiu no cinema, talvez por ser uma arte que nos faz visualizar o impossível, sendo assim uma espécie de correlato dos milagres.
Com a TV, ao contrário, o catolicismo come poeira -e basta comparar os momentos religiosos da TV Record com os da Rede Vida para termos uma idéia de quanto os neo-evangélicos se dão bem nesse veículo, e quanto os rituais católicos parecem despropositados e envelhecidos.
É natural que, esboçando um movimento de reação, a Igreja Católica investisse em sua maior estrela jovem, o padre Marcelo. E que o padre Marcelo investisse na Virgem Maria: trata-se de personagem central na mitologia católica, mas sobretudo representa os sentimentos mais benfazejos do cristianismo: é a intercessora, a redentora, a compadecida.
Mas é o aspecto cinematográfico que mais surpreende nesse filme. Ao contrário do que se poderia esperar, lá estão locações exemplares. Encontrou-se no Nordeste paisagens semelhantes àquelas que imaginamos serem as da Palestina na época do nascimento de Jesus.
Também o elenco está longe de passar vergonha. É como se os atores, conhecendo todos, mais ou menos, o Evangelho, estivessem imbuídos do papel que têm a representar. Isso dá gravidade à sua interpretação, mas não pompa, o que não deixa de ser um mérito da direção.
Dito isso, nem tudo são rosas nessa história. O padre Marcelo é constrangedor nos dois papéis que interpreta. Trabalhando com um não-ator que é, por coincidência, chamariz e eixo do filme, mais conveniente teria sido deixá-lo solto para improvisar seus diálogos. Do jeito que ficou, não está nada bem, pois o artifício do texto é duplicado pelo da interpretação.
Pode-se alegar que certas passagens são deficientes ou até vagamente ridículas. É verdade. Mas devemos admitir que também os Evangelhos contêm momentos um pouco ridículos ou, pelo menos, ao gosto das crianças. O filme de Moacyr Góes segue essa tradição -que é, no mais, a tradição hollywoodiana sobre o assunto.
Há momentos em que "Maria" evita os problemas que tem a enfrentar -e perde a parada. Exemplo: elide a passagem de Cristo andando sobre as águas. Sim, a trucagem devia ser complicada -e, como se sabe, no cinema os milagres custam caro.
Outras vezes, as soluções revelam-se felizes: o filme evita a cena pública de Pilatos, em que a multidão condena o Cristo e liberta Barrabás, e a substitui por um diálogo intimista e bem eficaz entre Cristo e Pilatos.
Enfim, não vamos aqui querer escamotear os defeitos de "Maria", que são muitos. Mas, diante da força da elevação da cruz (até onde me lembro, a mais bela que já vi no cinema), também convém deixar pruridos de lado e reconhecer que os méritos desse filme são consideráveis e o levam a ser visto com prazer.


Maria, Mãe do Filho de Deus   
Produção: Brasil, 2003
Direção: Moacyr Góes
Com: padre Marcelo Rossi, Giovanna Antonelli, Luigi Baricelli
Onde: em cartaz nos cines Ipiranga, Center Norte, Pátio Higienópolis e circuito



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