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"MARIA, MÃE DO FILHO DE DEUS"
Filme revela-se mais interessante que produção atual
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Pode-se virar as costas a "Maria, Mãe do Filho de Deus" e
partir para os divertimentos mais
atrevidos da Mostra, por exemplo. Mas seria, de certo modo,
uma pena.
"Maria" possui algumas qualidades surpreendentes e outras
nem tanto. Nessa segunda categoria, encontra-se o esforço para reviver a tradição popular do cinema brasileiro e, mais, a tradição
tão cinematográfica do filme
oportunista (juntar a fé com um
personagem de prestígio na mídia, no caso).
O fato é que, não só por isso,
"Maria" revela-se um filme bem
mais interessante do que a quase
totalidade da produção brasileira
no momento. Isso se dá, em parte,
por fatores extracinematográficos. Trata-se de um esforço evangelizador do catolicismo. Todos
sabemos que o catolicismo investiu no cinema, talvez por ser uma
arte que nos faz visualizar o impossível, sendo assim uma espécie de correlato dos milagres.
Com a TV, ao contrário, o catolicismo come poeira -e basta
comparar os momentos religiosos da TV Record com os da Rede
Vida para termos uma idéia de
quanto os neo-evangélicos se dão
bem nesse veículo, e quanto os rituais católicos parecem despropositados e envelhecidos.
É natural que, esboçando um
movimento de reação, a Igreja
Católica investisse em sua maior
estrela jovem, o padre Marcelo. E
que o padre Marcelo investisse na
Virgem Maria: trata-se de personagem central na mitologia católica, mas sobretudo representa os
sentimentos mais benfazejos do
cristianismo: é a intercessora, a
redentora, a compadecida.
Mas é o aspecto cinematográfico que mais surpreende nesse filme. Ao contrário do que se poderia esperar, lá estão locações
exemplares. Encontrou-se no
Nordeste paisagens semelhantes
àquelas que imaginamos serem as
da Palestina na época do nascimento de Jesus.
Também o elenco está longe de
passar vergonha. É como se os
atores, conhecendo todos, mais
ou menos, o Evangelho, estivessem imbuídos do papel que têm a
representar. Isso dá gravidade à
sua interpretação, mas não pompa, o que não deixa de ser um mérito da direção.
Dito isso, nem tudo são rosas
nessa história. O padre Marcelo é
constrangedor nos dois papéis
que interpreta. Trabalhando com
um não-ator que é, por coincidência, chamariz e eixo do filme,
mais conveniente teria sido deixá-lo solto para improvisar seus diálogos. Do jeito que ficou, não está
nada bem, pois o artifício do texto
é duplicado pelo da interpretação.
Pode-se alegar que certas passagens são deficientes ou até vagamente ridículas. É verdade. Mas
devemos admitir que também os
Evangelhos contêm momentos
um pouco ridículos ou, pelo menos, ao gosto das crianças. O filme
de Moacyr Góes segue essa tradição -que é, no mais, a tradição
hollywoodiana sobre o assunto.
Há momentos em que "Maria"
evita os problemas que tem a enfrentar -e perde a parada. Exemplo: elide a passagem de Cristo
andando sobre as águas. Sim, a
trucagem devia ser complicada
-e, como se sabe, no cinema os
milagres custam caro.
Outras vezes, as soluções revelam-se felizes: o filme evita a cena
pública de Pilatos, em que a multidão condena o Cristo e liberta
Barrabás, e a substitui por um diálogo intimista e bem eficaz entre
Cristo e Pilatos.
Enfim, não vamos aqui querer
escamotear os defeitos de "Maria", que são muitos. Mas, diante
da força da elevação da cruz (até
onde me lembro, a mais bela que
já vi no cinema), também convém
deixar pruridos de lado e reconhecer que os méritos desse filme
são consideráveis e o levam a ser
visto com prazer.
Maria, Mãe do Filho de Deus
Produção: Brasil, 2003
Direção: Moacyr Góes
Com: padre Marcelo Rossi, Giovanna
Antonelli, Luigi Baricelli
Onde: em cartaz nos cines Ipiranga,
Center Norte, Pátio Higienópolis e
circuito
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