São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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29ª MOSTRA DE CINEMA

"Tudo o que é proibido todo mundo gosta"

O cineasta Ivan Cardoso, que adota o lema acima, diz que ele vale até para o referendo de hoje, no qual prevê a vitória do "não"

DA REPORTAGEM LOCAL

A fuga dos estudos e do "cinema esquerdofrênico" e os anos 60 de sexo, drogas e rock'n'roll são aspectos que o cineasta Ivan Cardoso comenta na entrevista a seguir. (SILVANA ARANTES)

Folha - Por que o sr. trocou os estudos pelo cinema?
Ivan Cardoso -
Nos anos 60 era o contrário de hoje em dia. O estudante saía na rua para tomar porrada. Hoje, o pessoal da UNE [União Nacional dos Estudantes] não recebe dinheiro [para ir protestar]? Para mim, era pouco instigante ser estudante. Para quê? Para levar porrada da polícia?

Folha - Como o sr. se aproximou do cinema?
Cardoso -
Eu queria ser pintor. Convidei Helio Oiticica par dar uma palestra no meu colégio [São Fernando]. Foi um caos. Ele disse que, se a gente visse um retrato de um milico na rua e pichasse a cara dele com spray-jet, aquilo era uma obra de arte.
A diretora parou a palestra na hora e jogou a gente no colo de Oiticica. Porque tudo o que é proibido todo mundo gosta, taí o "não" que vai ganhar [no referendo de hoje sobre a comercialização de armas e munição].

Folha - E quando veio o cinema?
Cardoso -
Quando comprei a câmera super-8, passei a ter duas moedas de troca -a câmera e a amizade com Helio Oiticica. Dizer que era amigo do Oiticica era um passaporte com os outros artistas de vanguarda.

Folha - O sr. convivia com a vanguarda artística, mas chama o cinema da época de "esquerdofrênico, com conteúdo político, nordestino, de cangaceiro". É uma crítica a Glauber Rocha [1939-1981]?
Cardoso -
A gente era totalmente underground. Eu fazia esses filmes com dinheiro de mesada. Dos atores, uma era minha namorada, outras eram amigas, outra era minha prima e os homens eram meus melhores amigos. Era uma continuação da nossa vida, quase. Uma coisa muito intensa.

Folha - A vida então era sexo, drogas e rock'n'roll.
Cardoso -
Como a de todo adolescente nos anos 60.

Folha - E quanto aos "filmes de cangaceiro"?
Cardoso -
Cheguei a ver muitos. Nosso programa na época era ir à tarde à Cinemateca do MAM. Era uma programação muito repetitiva. Estava sempre, como até hoje, passando os filmes do cinema novo. O cinema brasileiro, infelizmente, parou no cinema novo.

Folha - Quer dizer que o cinema atual ainda é "esquerdofrênico"?
Cardoso -
Hoje em dia nem esquerdofrênico é. Não posso entender porque no Brasil se faz uma distinção entre arte e comércio. É uma atitude acanhada.
Acho sensacional esse negócio da [distribuidora] Globo Filmes. Ajuda muito. Mas, tão importante quanto a Globo Filmes, era o cinema [brasileiro] na Globo. E vamos botar ordem no terreiro: diretor de TV deve fazer melhor filme para TV do que para cinema.

Folha - A quem o sr. refere? Aos diretores da Globo Guel Arraes, Luiz Fernando Carvalho, Maurício Farias?
Cardoso -
Já fiquei 13 anos sem filmar. Hoje em dia tenho que falar tudo genérico. Acho curioso o fascínio que o cinema exerce sobre diretores de TV, que têm ao seu dispor um público muito maior. A gente, se der uma sorte enorme, atinge 4 milhões de espectadores.

Folha - Que lugar terá em sua obra o inédito "Um Lobisomem na Amazônia"?
Cardoso -
Esse filme começou com a adaptação de "Amazônia Misteriosa", de Gastão Cruls. Ele o escreveu sem ter ido à Amazônia. Eu também fiz o filme sem ter ido à Amazônia.

Folha - E aquelas tomadas aéreas da floresta na abertura do filme?
Cardoso -
Compramos aquelas cenas. Aquilo ali, você não põe, não, mas acho que é do Xingu [gargalhadas]. Eu filmei tudo nos estúdios na Barra da Tijuca e na Floresta da Tijuca. É o tal negócio, se o americano vem fazer filme de Tarzan no Rio, por que eu tenho que sair do Rio para ir filmar na Amazônia?


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