São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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CRÍTICA

Diretor recicla clichês do cinema em tom de chanchada para massas

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Ivan Cardoso pode ser definido como um José Mojica Marins que tivesse visto filmes de Jean-Luc Godard e convivido com Julio Bressane e Helio Oiticica. Dois novos filmes permitem um duplo mergulho no universo desse "primitivo de vanguarda".
Se "A Marca do Terrir" dá uma idéia geral dos terrenos que Cardoso explorou antes de ingressar no cinema propriamente comercial, a comédia "Um Lobisomem na Amazônia" mostra o cineasta em pleno domínio do estilo que o consagrou a partir de "O Segredo da Múmia" (1981).
A idéia básica é a de que, nessa arte industrial, nada se cria e nada se perde, tudo se recicla. O acervo de imagens e sons criado ao longo de um século é, para o diretor, um tesouro a ser saqueado livremente, sob o signo antropofágico da paródia e da chanchada.
Nas "quotidianas Kodaks", realizadas em super-8 pelo diretor no início dos anos 70, temos uma arqueologia viva da contracultura da época: Torquato Neto encarnando um Nosferatu tropical, orgias pagãs à beira-mar, Gal Costa e companhia nas "dunas do barato" de Ipanema etc.
Como contraponto à festa dionisíaca, referências nada veladas à brutalidade dos tempos: opressão, tortura, insanidade e muito, muito sangue.
Depois de 30 anos, a desfaçatez do diretor agora vem amaciada por um diálogo singular com a cultura de massa.
Em "Um Lobisomem" reencontramos as marcas registradas do diretor: as boazudas peladas, os atores deliciosamente canastrões, as referências ao universo do horror "científico" (Dr. Moreau, Frankenstein), a subversão do bom gosto burguês.
Uma turma de jovens urbanos vai à Amazônia para conhecer o santo-daime justamente quando a região é abalada por mortes que podem ter sido causadas por um animal desconhecido.
O zoólogo americano Mr. Corman (Nuno Leal Maia) auxilia o delegado Barreto (Toni Tornado) nas investigações. Ao mesmo tempo o Dr. Moreau (Paul Naschy) desenvolve num laboratório clandestino pesquisas genéticas para criar uma raça de mutantes escravos e outra de superguerreiras amazonas.
Uma única cena pode servir de aperitivo: depois de tomar um chá alucinógeno, Natasha (Daniele Winitz) vê surgir na mata um sacerdote inca, que canta e dança para anunciar a natureza divina da moça. O sacerdote é ninguém menos que Sidney Magal. Dá para não rir?


Um Lobisomem na Amazônia
   
Direção:
Ivan Cardoso
Quando: amanhã, às 21h40, na Sala UOL; e dias 28, às 22h30, no Cineclube Vitrine; e 29, às 15h30, no Frei Caneca Unibanco Arteplex

A Marca do Terrir
   
Direção:
Ivan Cardoso
Quando: dia 27, às 22h30, na Sala Cinemateca



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