São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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"CACHÉ"

Haneke se esconde com fortes imagens

THIAGO STIVALETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O título é apropriado. Em "Caché" (escondido, em francês), o austríaco Michael Haneke -diretor de "Funny Games - Violência Gratuita" e "A Professora de Piano"- conta a história de Georges (Daniel Auteil), um apresentador de TV que começa a receber vídeos anônimos em casa.
A imagem do vídeo é sempre a mesma: uma tomada feita da rua que mostra a fachada da casa, pontuada por poucos movimentos de entrada e saída da família.
Não é só a câmera que está escondida. Aos poucos, Georges se dá conta de que o remetente pode ser alguém de um passado distante e também oculto, sobre o qual ele nunca conversou com a mulher (Juliette Binoche). Logo se descobre que a relação com o filho também não é das mais transparentes. Mais não se pode dizer para não estragar a surpresa.
A maestria de Haneke, que ganhou a Palma de melhor diretor em Cannes, consiste em trabalhar com planos fixos de longa duração e grande força, que permitem diversas interpretações. Os significados estão escondidos atrás da imagem, e cabe ao espectador descobri-los -ou, em muitos casos, simplesmente imaginá-los. Nada ganha uma conclusão definitiva, nem mesmo no final.
Mais uma vez, o diretor explora o lado sombrio da alma humana -aquele que provoca medo e angústia. Constrói uma espécie de intimismo negro. Com histórias verossímeis e nada fantásticas, apavora mais do que os filmes de terror, embora o suspense criado em sua obra esteja sempre mais próximo do drama.
Em "Funny Games", o tema é o sadismo quase lúdico de uma dupla de amigos que aterroriza uma família em sua casa de férias à beira de um lago. Em "A Professora de Piano", a paixão e a desilusão amorosa são mostradas em seus extremos. Neste "Caché", sondam-se os mistérios da culpa e do ressentimento, sentimentos destruidores que podem se esconder por trás até de atos esquecidos do passado.
Em outra esfera, o cineasta contempla também um medo social que não é menos sombrio. O elo perdido do passado de Georges tem a ver com a guerra de independência que a Argélia promoveu contra sua metrópole, a França, de 1954 a 1962. Ilustrados e civilizados, os franceses nutrem até hoje um sentimento de culpa por seus colonizados que passa por um esforço de aceitação (não necessariamente inclusão) dos imigrantes argelinos no país. Apesar disso, as diferenças sociais e econômicas nunca deixam de gerar conflito -foco mais explícito de outro filme do diretor, "Código Desconhecido". Em "Caché", Georges e Anne se esforçam para serem "bons seres humanos", mas seu mundo de classe média-alta só é arranhado pelos grandes conflitos sociais por meio da TV.
Observações sociais à parte, cinema se faz pela montagem, como dizia Stanley Kubrick -e é por meio de uma edição sempre surpreendente que Haneke mistura presente, passado e memória para desestabilizar de vez o espectador. Um filme para cabeças frias e corações fortes.


Caché
    
Direção:
Michael Haneke
Quando: hoje, às 18h50, na Sala UOL; amanhã, às 17h50, no Reserva Cultural; e dia 28, às 23h10, no Frei Caneca Unibanco Arteplex



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