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Crítica/"Lady Chatterley"
Clássico literário ganha filme à sua altura
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Lady Chatterley" teve até aqui um destino cinematográfico ingrato, submetido ao mesmo tempo à BBC e aos frufrus de Ken Russell ou ao sensacionalismo publicitário de Just
Jaecklin. Sua reputação nas telas passa muito longe do romance de D.H. Lawrence, um
dos pilares da literatura no século 20.
Essa dificuldade não vem
apenas do tema: o amor de
Constance Chatterley pelo
guarda-caça Parkin (personagem de uma segunda e, ao que
se diz, aperfeiçoada versão do
livro), um amor que é antes de
tudo físico. O que deveria ser o
apanágio por excelência do cinema, mostrar a pele e suas
sensações, tornou-se uma camisa de força: se o romance em
si foi um escândalo que atravessou o século, a natureza explosiva da imagem acabou por torná-la quase inviável.
O caráter libertador do livro,
que já era ameaçador, mostrava-se bem mais subversivo e incômodo no cinema.
Pascale Ferran certamente
se beneficia de filmar no século
21, com um recuo no tempo e
um reconhecimento da obra literária que terminam por calar
mesmo os mais moralistas, por
um lado. Por outro, ela bota
ordem na casa e faz um filme
fiel à intenção de Lawrence de
"tornar a relação sexual autêntica e preciosa, em lugar de vergonhosa".
Fim de uma era
Em primeiro lugar, tratou de
dar ao sexo e à sexualidade seu
lugar devido, mas evitou aquela
vulgaridade que consiste em
ver Constance como a mulher
de um homem impotente por
ferimento de guerra. É isso,
mas é mais do que isso: o que o
filme vê é o fim de uma era, a
que precedeu 1918 e o final da
Primeira Guerra Mundial, de
uma aristocracia onipotente
numa Inglaterra idem.
Nada melhor do que a cena
de Clifford com sua cadeira de
rodas mecânica para exprimir
um desespero que, certamente,
é pessoal, mas nem por isso deixa de nos falar de um mundo
cujas coordenadas nos escapam e ofendem.
Constance Chatterley participa apenas de maneira indireta desse mundo. Ela pode servir
seu chá, mas é à natureza que
está ligada. Ela é toda natureza.
Humana, entre outras: o bastante, por exemplo, para se
contemplar com satisfação
diante do espelho. Ou para
dar valor enorme às coisas que
vêm da terra.
Não é o caso de Parkin. O
guarda-caça do domínio dos
Chatterley é, sem dúvida, um
homem da natureza. Sua condição social de certa forma o incapacita ao exercício da propriedade sobre Constance, sua patroa. Isso ajuda na aproximação entre os dois, embora o fundamental seja o caráter sexuado do homem, de que Constance se dá conta com rapidez aliás
fulminante. O resto será, como
define a própria Ferran, um retrato em movimento, como
uma paisagem vista por alguém
que se desloca.
"Lady Chatterley" é um filme
feminino, pelo olhar. Mas talvez até mesmo se possa usar a
respeito dele a palavra feminista, menos por uma reivindicação ao prazer sexual como direito (ele está implícito) e mais
pelo exercício de uma sensibilidade e de um olhar que se entregam à liberdade de maneira
plena, talvez porque tenham
pouco a perder.
LADY CHATTERLEY
Direção: Pascale Ferran
Produção: França/Bélgica/Inglaterra, 2007
Com: Marina Hands, Jean-Louis
Coullo'ch, Hippolyte Girardot
Onde: estréia hoje nos cines
Frei Caneca Unibanco Arteplex e
Reserva Cultural
Avaliação: ótimo
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