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RESENHA
'Guerra' expõe subjetividade de Müller
SÉRGIO DE CARVALHO
especial para a Folha
Seria tolice esperar que a autobiografia "Guerra sem Batalha",
do dramaturgo alemão Heiner
Müller (1929-1995) contivesse
grandes revelações. Nas peças de
um bom autor de teatro, existe
sempre uma distância dramática
entre dizer e ser. Somente personagens tolas expõem de imediato
suas reais motivações.
Essa dramatização de si próprio é
reforçada no livro pela estrutura
dialógica, mantida porque Heiner
Müller não escreveu essa autobiografia, mas a reescreveu a partir de
entrevistas suas dadas a um grupo
de jornalistas.
O procedimento, aliás, é uma
constante em sua vida de escritor.
Todas suas peças, sem exceção,
provém de "síntese de material
alheio", prática na qual não se distancia de uma honrosa tradição
que inclui suas afinidades eletivas:
Shakespeare, Büchner e Brecht.
Müller faz dessa autobiografia
outro "material dramático" de
sua obra na medida em que ele deixa transparecer a paisagem interna
de uma subjetividade, que nunca é
construída no todo, mas indicada
em cada pedaço. É significativo
que sempre faça questão de assinalar a precariedade de sua memória.
O mais revelador do livro está
nos esforços de afirmação e negação. Müller não despende maior
energia para negar a acusação de
envolvimento com a Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental,
porque, segundo tudo indica, isso
não significou nada.
Por outro lado, a ênfase com que
nega a importância de suas ex-mulheres como colaboradoras ou a
precisão com que aponta suas diferenças poéticas com a obra de
Brecht são bem eloquentes.
O que ele gosta em Brecht indica
aspectos pelos quais ele mesmo
gostaria de ser visto. O que lhe interessa é o lado de Brecht "muito
alemão, muito fragmentado", sua
"velocidade e agressividade"
quando se embate com a cidade.
Se ele tem alguma razão ao dizer
que os melhores trechos de Brecht
não são os amáveis, mas os zangados, e que sua força não está no
iluminismo, mas no terrorismo,
por outro lado, se esquece que
Brecht procurava representar a totalidade das relações sociais e não
apenas as zonas obscuras da consciência nacional.
No fundo, Müller tem aguda lucidez sobre sua função e dimensão
na história do teatro deste século,
o que se nota quando menciona a
frase de Schiller, aprendida na
adolescência: "Procure alcançar
sempre o todo e, se você mesmo
não o pode ser, se associe a um todo como colaborador".
Livro: Guerra sem Batalha - Uma vida entre
Duas Ditaduras
Autor: Heiner Müller
Lançamento: editora Estação Liberdade
Quanto: R$ 30 (336 págs.)
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