São Paulo, Quinta-feira, 23 de Dezembro de 1999


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POLÊMICA
A montagem de "A", monólogo que trata da ritualização do sexo, causa debate na capital cearense
Peça sobre prostituição choca católicos

Divulgação
Personagem de "A" tira uma camisinha de dentro de um cálice


KAMILA FERNANDES
da Agência Folha, em Fortaleza

Maria, uma prostituta -vestida de calcinha, corpete e um longo véu na cabeça-, tira do cálice uma camisinha, da mesma forma como os padres fazem com as hóstias no rito da eucaristia.
A cena chocou um grupo de católicos de Fortaleza, que agora quer censurar a peça "A" e abrir inquérito policial para punir a Associação dos Teatros Radicais Livres, produtora da encenação.
O caso está na Procuradoria de Justiça do Ceará e já gerou uma moção de repúdio - de autoria do vereador Paulo Mindêllo (PPS)- na Câmara Municipal de Fortaleza.
"Nós quisemos mostrar a ritualização do sexo como algo divino. Em momento algum a personagem consagra a camisinha. Tenho formação católica e não desrespeitaria ritual de nenhuma religião", explicou Ricardo Guilherme, autor de "A". O monólogo tem 20 minutos.

Oração
"A" é como uma longa oração, em que a prostituta Maria, interpretada por Eugênia Siebra, confessa todos os seus "pecados", assume-os e pede para não ser contaminada pelo vírus HIV.
"As pessoas não aceitam que uma prostituta possa ser religiosa também. Ela se ajoelha no palco em determinado momento. Talvez seja isso o que mais tenha chocado", disse Karlo Kardoso, que divide com Guilherme a direção da peça.
Logo no início da encenação, a personagem apresenta-se como a "santa padroeira da carne, sagrada rameira e catraia (meretriz), consagrada na gandaia, (...) quenga missionária dos aspirantes dos quartéis, santíssima dadeira e dadivosa, entronizada no sacrário dos cassinos, na sacristia das sinucas, no relicário dos motéis, bendita entre os homens com boa vontade de aprender a liturgia do sexo. Muito prazer".
Entre as cenas mais polêmicas está o trecho em que a prostituta intitula-se "Maria putíssima, cheia de graça e desgraça", com referência à oração "Ave Maria".
"Não se pode ridicularizar a figura mais sagrada da fé católica. Isso é um acinte à fé de milhões de brasileiros", disse o padre Clairton de Oliveira, da Pastoral da Família, em Fortaleza.
"É claro que existe uma intertextualidade com orações católicas, mas não como forma de ofender a santa, pelo contrário. Ela mesma fala que é a desMaria, a inMaria, o que significa a não-Maria", afirmou Guilherme.

Crime
O Código Penal prevê pena de um mês a um ano de prisão, que pode ser substituída por multa, a quem "vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso" (artigo 208). A punição ao bispo Von Helde, da igreja Universal, por incitação a preconceito religioso, foi baseada nesse artigo.
O impasse na interpretação da Constituição se complica, já que, ao mesmo tempo que se fala da liberdade de culto, assegura-se a liberdade artística, proibindo-se a censura.


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