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LIVRO LANÇAMENTOS
Cabral ganha biografia sem visão crítica
RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília
"Nau Capitânia"
é uma leitura prazerosa. O texto tem
uma harmonia vocabular que ambienta o leitor em
trejeitos linguísticos da época.
Mas é uma biografia de resultados
questionáveis.
Em parte porque o autor, o jornalista gaúcho Walter Galvani, se
deu a liberdade de fazer intuições
romanceadas sobre as lacunas
históricas e abdicou de uma visão
crítica dos fatos. Em parte porque
"Pedrálvares", como era tratado o
navegador português, é um personagem que não ajuda -não se
conhecem ao certo as datas de
nascimento e morte. Nem sequer
o ano. E toda a sua vida pode ser
resumida em duas dezenas de páginas.
Nasceu, cresceu, virou fidalgo,
descobriu o Brasil, casou e teve
seis filhos. Era alto e esbelto, longos cabelos e pernas tortas, de
tanto cavalgar -fora dos padrões
ibéricos. Descendente de uma família em que o avô era apelidado
de "Gigante da Beira". Há dúvidas
sobre se o apelido não pertencia
ao pai.
O mais impressionante é o ostracismo a que foi jogado depois
de descobrir o Brasil. Não há explicação na biografia.
A editora Record vendeu "Nau
Capitânia" como a primeira grande biografia de Cabral, no Brasil,
mas não há nada de novo a revelar. É um bom livro, assim mesmo, por ter outras virtudes.
De forma honesta, fica explícita
a imensa simpatia que Galvani, ao
final de anos de pesquisa, passou
a nutrir pelo nobre português
-toma-lhe o tempo todo as dores pela quase proscrição e apresenta-o como um injustiçado pelas intrigas da corte.
Cabral numa leitura atenta pode ser visto como um derrotado e,
certamente, um sujeito irascível.
Até com motivos: sentia dores de
cabeça tormentosas, suores frios
intermitentes e vivia situações de
mal-estar a cada semana, por
conta de uma malária não curada
que pegara em Marrocos, quando
do batismo de fogo como escudeiro.
Outro aspecto não menos tormentoso: a descoberta do Brasil
não encobriu a avaliação de que o
nobre Cabral não fora exatamente um navegador bem-sucedido.
A maior frota já preparada para
uma expedição, com 13 naus, regressou a Portugal reduzida a sete
embarcações -seis na volta da
Índia e uma que regressara antes,
do Brasil, para dar a notícia ao rei
do achamento da Terra de Vera
Cruz.
Foram tantas as naus e as vidas
perdidas que Cabral revigorou o
dito popular de que "dos que vão
à Índia, de cento não vem um".
Não voltaram fidalgos de grande
prestígio, como Bartolomeu Dias,
que dobrara o cabo da Boa Esperança.
Os inimigos, a começar pelo ex-amigo e conselheiro Vasco da Gama, deram asas a outro dito que
deixava Cabral acuado na corte:
"Quem tem azar no mar, a ele não
deve voltar".
Cabral nunca mais voltou, depois da expedição à Índia que o
trouxe ao Brasil. E o garoto que
saiu das terras dos Cabrais, Belmonte, e foi "estudar" para ser
nobre cavaleiro em Lisboa passou
a viver mais amargurado do que
já era depois de recusar um convite do rei para chefiar nova missão
à Índia.
Galvani adota o ponto de vista
de que Cabral pura e simplesmente não quis dividir a chefia
com um parente de Vasco da Gama. E por que o rei quis dividir o
comando? Sem resposta na biografia.
O mérito maior do livro está na
concentração e encadeamento
bem feito das informações históricas e a reposição de fatos que são
conhecidos do grande público,
geralmente de forma distorcida.
Caminha, por exemplo, nunca
pediu emprego para um parente
-pediu justiça para o genro que
já tinha cumprido o tempo de degredo em São Tomé e não conseguia deixar a ilha. Que o rei desse
um jeito e o tirasse de lá. Também
nunca afirmou que em se plantando, tudo dá.
O pouco que se conhece de Cabral é bem costurado, ao longo
das mais de 300 páginas, com os
bastidores da disputa entre Portugal e Castela na empreitada marítima e o envolvimento sempre
ardiloso da Igreja Católica. Há
uma enorme massa de informações sobre usos e costumes dos
anos 1400 e 1500, as intrigas na
corte lusitana e curiosidades mil.
O olhar romanceado depõe
contra o marketing editorial, mas
não compromete o trabalho. Galvani deixa claro o momento em
que descreve uma situação imaginária -pode incomodar ao historiador, mas não ao leitor comum.
Avaliação:
Livro: Nau Capitânia
Autor: Walter Galvani
Editora: Record
Quanto: R$ 30 (320 págs.)
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