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POLICIAL
Novela lembra quadrilha
RODOLFO LUCENA
Editor de Informática
A novela policial
"O Homem sob a
Terra", estrelada
pelo detetive Lew
Archer, lembra
quadrilha. Não a de
bandidos, de gângsteres, mas a
contradança de intrincada coreografia, em que cada dançarino
volteia pelo salão, de mão em
mão, até estar de volta a seu par.
Quem de longe assiste pode até
não atinar com os meandros do
passa-passa de casais, mas vê um
todo harmonioso.
A história criada por Ross Macdonald (1915-1983), um dos principais escritores de novelas detetivescas dos Estados Unidos, começa com a entrada do narrador e
também estrela, o detetive Archer, que se apresenta num amanhecer abafado em Los Angeles.
O próximo peão é o menino
Ronny Broadhurst, vizinho de
Archer, que vai ver o detetive alimentar pássaros, com direito a
comer alguns amendoins.
Depois entra o pai do garoto,
que "parecia uma versão crescida
do menino e dava a mesma impressão de angústia". Chegava ao
prédio, e na porta do apartamento estava sua mulher -cabelos
presos em um rabo-de-cavalo e
bonita o bastante para que o detetive lembrasse que não tinha feito
a barba naquela manhã.
Os dois trocam frases tensas,
pontuadas por intervenções do
menino. Como pretendia, o pai
leva Ronny a um passeio, supostamente à casa da avó. Os dois vão
em um conversível preto em que
já está uma jovem que, vista de relance por Archer, "era só ombros
nus, seios protuberantes e cabelos
louros flutuantes".
Eis aí os personagens que dão
partida na história. Logo se descobre que o pai não levou o garoto
aonde havia dito. Começa a se
configurar um sequestro. A mãe
sofredora e esposa abandonada se
acode da força e da inteligência do
vizinho detetive.
Mais que perspicaz, Archer é
sortudo. A cada lugar que vai, encontra uma pista. Cada pista revela mais um personagem. Aos
poucos surgem outros crimes.A
rede de personagens cresce. Pais e
mães dos envolvidos entram na
trama, que vai de Los Angeles a
San Francisco, passa pela aprazível Sausalito e volta para a cidade
dos anjos, castigada por um daqueles incêndios monumentais
-que podem estar relacionados
a um dos crimes enrolados na teia
que o sequestro de Ronny começou a desfiar.
Essa característica da novela, se
lhe dá movimento, também lhe
incute um certo caráter irritante.
Não só tudo que o detetive toca dá
certo, do ponto de vista da investigação, caindo-lhe nos braços quase de mão beijada (está certo, ele
também trabalha: interroga as
pessoas, busca as pistas, até toma
uma cacetada), como cada personagem tem um vínculo antigo
com algum outro da trama.
É um tal de fulano que namorou
fulana há 20 anos e traiu a moça
com uma sicrana, que ficou grávida e foi abandonada, e aí a sicrana
trocou de nome e agora aparece
casada com um outro, que aceitou a filha bastarda, que agora namora um desencaminhado, que é
filho do sujeito que namorava...
A certa altura, o leitor menos
concentrado ou quem vai lendo
aos poucos pode ficar com vontade de fazer um diagrama das relações, para lembrar mais rapidamente quem namorou quem e
traiu quem e pode agora ser suspeito de matar quem...
Em compensação, a leitura é
muito fácil. A história se sustenta
nos diálogos, nos contatos, mais
que em descrições demoradas. E
Archer pode ter sido um detetive
bronco, mas sua capacidade de
observação e pena ferina criam algumas pérolas. Assim apresenta
uma personagem: "O espírito que
assombra a casa. Era assim que
ela parecia, pensei, em sua arcaica
saia longa -muito jovem e muito
velha, a avó e a neta numa só pessoa, ligeiramente esquizofrênica".
O rosto da mulher "tinha uma
certa nudez, desabituada à pressão de olhos".
São trechos como esses que fazem valer a pena a leitura, que,
afinal, é sem compromisso, para
passar o tempo.
Avaliação:
Livro: O Homem sob a Terra
Autor: Ross Macdonald
Editora: Record
Quanto: R$ 22,96 (284 págs.)
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