ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REDAÇÃO

Analisar a obra de um escritor e mostrar o resultado para ele é como desmontar o brinquedo de uma criança. Como todo importante criador, o britânico William Golding (1911-1993) reage às inevitáveis interpretações sociais de seus livros com mais invenção recheada de uma análise particular.
O registro animado dessa atuação está no documentário que a Film & Arts apresenta hoje. O filme foi realizado quando o escritor tinha 78 anos e já havia criado o que pode ser considerada parte mais importante de sua obra, a trilogia marítima composta por "Ritos de Passagem" (no Brasil pela Nova Alexandria), "Close Quarters" e "Fire Down Below".
Entre os trechos da entrevista realizada no Hackmer's Victory, um navio com o qual o escritor se deslumbrara na infância, a história dos três livros vai sendo dramatizada e ficamos sabendo da saga de Edmond Talbot, alter ego confesso do britânico, que parte em viagem para a Austrália no século 18, tendo em vista uma posição no governo, e registra tudo nesse diário que se transformou em livros.
Fugindo às interpretações críticas, que associam a vida no navio a uma construção consciente por parte do autor da estratificação social inglesa, despista Golding: "Aqui está esse navio como se tivesse sido construído da imaginação do inglês. O fato se torna paradigma da experiência inglesa, é incidental".
A estrutura detalhista que Golding vai trazendo à mente com a narração da aventura de Talbot neste documentário não condiz com a maneira que o autor diz escrever, em jorros. As letras trabalhadas vão fazendo um retrato pessimista do humano, exercício que já se tornou clássico desde "O Senhor das Moscas" (1954), livro que é apenas citado neste filme.
"Depois da guerra, não tive comoção ou horror, mas pena. Anos e anos de uma visão idealizada do que o homem poderia fazer, e o homem se tornou isso."