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Livros
Woolrich apresenta noir com ação
Autor de "Janela Indiscreta", adaptado por Alfred Hitchcock, tem seu policial "A Dama-Fantasma" lançado no Brasil
Cornell Woolrich foi um dos mestres do noir americano, como Dashiell Hammett (1894-1961) e Raymond Chandler (1888-1959)
RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA
A história é um desastre.
O título do primeiro capítulo já anuncia que o
livro pode ser bem modorrento. "Centésimo Qüinquagésimo
Dia Antes da Execução" é o revelador enunciado. Informa,
antes que você comece a ler,
que a trama vai se arrastar por
quase meio ano e que em algum
momento um condenado vai
enfrentar a forca, o pelotão de
artilheiros ou a cadeira elétrica.
Se você se dignar a descer os
olhos do título e enfronhar-se
na leitura, vai, aos poucos, perceber que o desastre não é da
história, mas de seu protagonista. Ele rola pelas ruas como
um traste solitário. Busca companhia, mas seus olhos passeiam cegos pela eventual parceira. Com ela conversa, come,
bebe, vai ao teatro, transita pela
noite nova-iorquina, mas mal
ouve uma palavra, não saboreia
a comida nem se embriaga,
muito menos acaricia ou sequer toca aquele corpo. A noite
rola como se não fosse.
Daquela tristeza toda, volta
para casa de mãos abanando e
encontra o caos. Pior: a polícia.
Investigadores e detetives espreitam para desequilibrá-lo,
derrubar sua história já cambaleante, e saírem com a confissão de culpa, com a admissão do assassinato da mulher, encontrada na cama, enforcada
com uma gravata do marido.
Sua única saída é provar que
não estava lá, mas sim alhures,
com uma mulher de chapéu laranja cujos traços não deixaram rastros na memória.
Ela também não deixou pegadas,
esvaneceu-se. É "A Dama-Fantasma", de Cornell Woolrich,
um dos mestres do policial
"noir" norte-americano, que
chega às livrarias brasileiras.
Talvez o nome seja menos
conhecido do público brasileiro
do que os de outros expoentes
desse gênero, como Dashiell
Hammett (1894-1961) e Raymond Chandler (1888-1959),
em cuja companhia a crítica coloca esse artista nova-iorquino
dono, ele próprio, de uma vida
mais complexa e dramática que
muitas das histórias que engendrava.
Hitchcock e Truffaut
Mas o reconhecimento virá
em seguida: saiba que é dele o
texto, escrito em 1942, em que
Hitchcock se baseou para fazer
"Janela Indiscreta" (1954). E
"A Noiva Estava de Preto"
(1968), de François Truffaut, é
outro filmão que bebe na literatura woolrichiana.
Este "A Dama-Fantasma"
também é de 1942 e também
chegou ao cinema, dirigido por
Robert Siodmak (com título
homônimo no Brasil, lançado
em 1944). Tal como "Rear Window", que originalmente se
chamava "It Had to Be Murder" (tinha de ser assassinato),
foi produzido sob o pseudônimo William Irish, uma das
identidades que Woolrich usava -ele usava ainda o pseudônimo George Hopley.
A história se desenrola vagarosamente, ainda que aos saltos
-por mais que isso pareça uma
contradição. Depois que Scott
Henderson é preso pelo assassinato, no centésimo quadragésimo nono dia antes da execução, a cena vai para o nonagésimo primeiro dia antes da execução e os que seguem -são os dias do julgamento e da condenação- e então salta para o vigésimo primeiro dia antes da
execução. É quando começa a
luta do condenado.
Mais precisamente, tem início a jornada de sua amada
amante e de um amigo em busca da dama fantasma, única e
fugidia esperança de reverter a
sentença. A prosa ganha mais
vida, ainda que a escrita de
Woolrich seja marcada pelo
tempo, tenha um certo cheiro
de naftalina.
Ação rápida e nervosa
Mesmo assim, momentos e
capítulos admiráveis transformam uma literatura feita de clima e suspense em obra de ação rápida, nervosa. A tensão cresce e cativa, e o autor aproveita
para perpetrar descrições filigranadas, como a que dá início
ao capítulo 15: "O hotel era um
desses de extremo luxo, cuja
torre esbelta se erguia desdenhosamente acima da massa
dos edifícios mais comuns, como o nariz de um aristocrata".
E, mesmo que o título do primeiro capítulo já tenha revelado quase tudo sobre os elementos da história, o desenrolar
ainda esconde surpresas, fazendo de "A Dama-Fantasma"
uma trama bem razoável, com
passagens acima da média.
A DAMA-FANTASMA
Autor: Cornell Woolrich
Tradução: S. Duarte
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (280 págs.)
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