São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 2006

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Livros

Woolrich apresenta noir com ação

Autor de "Janela Indiscreta", adaptado por Alfred Hitchcock, tem seu policial "A Dama-Fantasma" lançado no Brasil

Cornell Woolrich foi um dos mestres do noir americano, como Dashiell Hammett (1894-1961) e Raymond Chandler (1888-1959)

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

A história é um desastre.
O título do primeiro capítulo já anuncia que o livro pode ser bem modorrento. "Centésimo Qüinquagésimo Dia Antes da Execução" é o revelador enunciado. Informa, antes que você comece a ler, que a trama vai se arrastar por quase meio ano e que em algum momento um condenado vai enfrentar a forca, o pelotão de artilheiros ou a cadeira elétrica.
Se você se dignar a descer os olhos do título e enfronhar-se na leitura, vai, aos poucos, perceber que o desastre não é da história, mas de seu protagonista. Ele rola pelas ruas como um traste solitário. Busca companhia, mas seus olhos passeiam cegos pela eventual parceira. Com ela conversa, come, bebe, vai ao teatro, transita pela noite nova-iorquina, mas mal ouve uma palavra, não saboreia a comida nem se embriaga, muito menos acaricia ou sequer toca aquele corpo. A noite rola como se não fosse.
Daquela tristeza toda, volta para casa de mãos abanando e encontra o caos. Pior: a polícia.
Investigadores e detetives espreitam para desequilibrá-lo, derrubar sua história já cambaleante, e saírem com a confissão de culpa, com a admissão do assassinato da mulher, encontrada na cama, enforcada com uma gravata do marido.
Sua única saída é provar que não estava lá, mas sim alhures, com uma mulher de chapéu laranja cujos traços não deixaram rastros na memória.
Ela também não deixou pegadas, esvaneceu-se. É "A Dama-Fantasma", de Cornell Woolrich, um dos mestres do policial "noir" norte-americano, que chega às livrarias brasileiras.
Talvez o nome seja menos conhecido do público brasileiro do que os de outros expoentes desse gênero, como Dashiell Hammett (1894-1961) e Raymond Chandler (1888-1959), em cuja companhia a crítica coloca esse artista nova-iorquino dono, ele próprio, de uma vida mais complexa e dramática que muitas das histórias que engendrava.

Hitchcock e Truffaut
Mas o reconhecimento virá em seguida: saiba que é dele o texto, escrito em 1942, em que Hitchcock se baseou para fazer "Janela Indiscreta" (1954). E "A Noiva Estava de Preto" (1968), de François Truffaut, é outro filmão que bebe na literatura woolrichiana.
Este "A Dama-Fantasma" também é de 1942 e também chegou ao cinema, dirigido por Robert Siodmak (com título homônimo no Brasil, lançado em 1944). Tal como "Rear Window", que originalmente se chamava "It Had to Be Murder" (tinha de ser assassinato), foi produzido sob o pseudônimo William Irish, uma das identidades que Woolrich usava -ele usava ainda o pseudônimo George Hopley.
A história se desenrola vagarosamente, ainda que aos saltos -por mais que isso pareça uma contradição. Depois que Scott Henderson é preso pelo assassinato, no centésimo quadragésimo nono dia antes da execução, a cena vai para o nonagésimo primeiro dia antes da execução e os que seguem -são os dias do julgamento e da condenação- e então salta para o vigésimo primeiro dia antes da execução. É quando começa a luta do condenado.
Mais precisamente, tem início a jornada de sua amada amante e de um amigo em busca da dama fantasma, única e fugidia esperança de reverter a sentença. A prosa ganha mais vida, ainda que a escrita de Woolrich seja marcada pelo tempo, tenha um certo cheiro de naftalina.

Ação rápida e nervosa
Mesmo assim, momentos e capítulos admiráveis transformam uma literatura feita de clima e suspense em obra de ação rápida, nervosa. A tensão cresce e cativa, e o autor aproveita para perpetrar descrições filigranadas, como a que dá início ao capítulo 15: "O hotel era um desses de extremo luxo, cuja torre esbelta se erguia desdenhosamente acima da massa dos edifícios mais comuns, como o nariz de um aristocrata".
E, mesmo que o título do primeiro capítulo já tenha revelado quase tudo sobre os elementos da história, o desenrolar ainda esconde surpresas, fazendo de "A Dama-Fantasma" uma trama bem razoável, com passagens acima da média.


A DAMA-FANTASMA    
Autor:
Cornell Woolrich
Tradução: S. Duarte
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (280 págs.)


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