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Crítica/correspondência
Seleção de cartas de Mozart privilegia face biográfica
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Tanto se falou de Wolfgang Amadeus Mozart
(1756-1791) ao longo de
2006 que é justo, no final das
comemorações de seus 250
anos, dar voz ao próprio. O vasto epistolário mozartiano é visitado em "Mozart: Sua Vida em Cartas", compilação e adaptação de Gloria Kaiser.
Especialistas estimam em
nada menos que 1.200 as missivas da família de Mozart no período 1755-91. De nenhum outro compositor do século 18, ou
anterior, subsiste correspondência tão vasta.
Diante deste vasto "corpus",
Kaiser opta decididamente por
uma seleção "biográfica", deixando de lado a "musicologia".
Estão lá, por exemplo, os inúmeros flertes com alunas; as
queixas contra as "intrigas" do
compositor italiano Antonio
Salieri (transformado em paradigma de inveja pelo filme
"Amadeus", de Milos Forman);
o conflito com o arcebispo Hieronymus Colloredo, seu patrão
em Salzburgo; e as súplicas por
dinheiro, no final da vida, ao
confrade maçom Johann Michael Puchberg.
Saboroso cronista de seus
tempos, Mozart descreve em
detalhes a pobreza e a sujeira
das ruas de Paris, o desconforto
das carruagens setecentistas e
as fofocas envolvendo a realeza
e seus colegas compositores.
Saudável polifonia é dada ao
volume por missivas de familiares e amigos do compositor.
Infelizmente, contudo, ficam
de fora as interessantes discussões estéticas que Mozart tinha
com seu pai acerca de suas criações. As cartas contam, em detalhes, o processo de criação de óperas como "Idomeneo" e "O
Rapto do Serralho"; são depoimentos valiosos de um artista
sobre seu trabalho, que a Reler
Editora preferiu deixar de fora.
Com um puritanismo algo
anacrônico e deslocado, a edição opta por colocar reticências
em lugar dos palavrões que o
compositor escrevia nas apimentadas missivas à prima Maria Anna Thekla. E algo de seu humor meio infantil, feito de
escatologia, escrita cifrada e
uma miscelânea de idiomas,
também acaba se perdendo.
Porque Kaiser resolve "adaptar" as cartas, do "alemão mozartiano" para o "alemão moderno". Deste idioma, o texto
foi traduzido para o inglês por
Lowell Bangerter, só então sendo vertido para o português,
por Anna Olga de Barros Barreto. Um caminho longo e tortuoso, com perdas inevitáveis.
Por isso, a leitura preferencial sobre o tema, em português, continuam sendo as "Cartas Vienenses", editadas em
2004 pela Veredas. Embora
deixe de fora a correspondência anterior à mudança do autor para Viena (em 1780, aos 24 anos), a tradução de Gabor
Aranyi busca preservar o sabor
da escrita mozartiana.
E há ainda, no livro da Veredas, as notas de Tibor Gedeon,
que apresentam o contexto de
cada correspondência e explicam quem são as pessoas e
obras citadas em cada carta.
Um aparato crítico que contrasta com a virtual inexistência de notas de rodapé do volume da Reler Editora, e que faz
toda a diferença do mundo.
MOZART: SUA VIDA EM CARTAS
Organização: Gloria Kaiser
Tradução: Anna O. de Barros Barreto
Editora: Reler
Quanto: R$ 39 (140 págs.)
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