São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 2006

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Crítica/correspondência

Seleção de cartas de Mozart privilegia face biográfica

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Tanto se falou de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) ao longo de 2006 que é justo, no final das comemorações de seus 250 anos, dar voz ao próprio. O vasto epistolário mozartiano é visitado em "Mozart: Sua Vida em Cartas", compilação e adaptação de Gloria Kaiser. Especialistas estimam em nada menos que 1.200 as missivas da família de Mozart no período 1755-91. De nenhum outro compositor do século 18, ou anterior, subsiste correspondência tão vasta.
Diante deste vasto "corpus", Kaiser opta decididamente por uma seleção "biográfica", deixando de lado a "musicologia". Estão lá, por exemplo, os inúmeros flertes com alunas; as queixas contra as "intrigas" do compositor italiano Antonio Salieri (transformado em paradigma de inveja pelo filme "Amadeus", de Milos Forman); o conflito com o arcebispo Hieronymus Colloredo, seu patrão em Salzburgo; e as súplicas por dinheiro, no final da vida, ao confrade maçom Johann Michael Puchberg.
Saboroso cronista de seus tempos, Mozart descreve em detalhes a pobreza e a sujeira das ruas de Paris, o desconforto das carruagens setecentistas e as fofocas envolvendo a realeza e seus colegas compositores.
Saudável polifonia é dada ao volume por missivas de familiares e amigos do compositor. Infelizmente, contudo, ficam de fora as interessantes discussões estéticas que Mozart tinha com seu pai acerca de suas criações. As cartas contam, em detalhes, o processo de criação de óperas como "Idomeneo" e "O Rapto do Serralho"; são depoimentos valiosos de um artista sobre seu trabalho, que a Reler Editora preferiu deixar de fora.
Com um puritanismo algo anacrônico e deslocado, a edição opta por colocar reticências em lugar dos palavrões que o compositor escrevia nas apimentadas missivas à prima Maria Anna Thekla. E algo de seu humor meio infantil, feito de escatologia, escrita cifrada e uma miscelânea de idiomas, também acaba se perdendo.
Porque Kaiser resolve "adaptar" as cartas, do "alemão mozartiano" para o "alemão moderno". Deste idioma, o texto foi traduzido para o inglês por Lowell Bangerter, só então sendo vertido para o português, por Anna Olga de Barros Barreto. Um caminho longo e tortuoso, com perdas inevitáveis.
Por isso, a leitura preferencial sobre o tema, em português, continuam sendo as "Cartas Vienenses", editadas em 2004 pela Veredas. Embora deixe de fora a correspondência anterior à mudança do autor para Viena (em 1780, aos 24 anos), a tradução de Gabor Aranyi busca preservar o sabor da escrita mozartiana.
E há ainda, no livro da Veredas, as notas de Tibor Gedeon, que apresentam o contexto de cada correspondência e explicam quem são as pessoas e obras citadas em cada carta.
Um aparato crítico que contrasta com a virtual inexistência de notas de rodapé do volume da Reler Editora, e que faz toda a diferença do mundo.


MOZART: SUA VIDA EM CARTAS   
Organização:
Gloria Kaiser
Tradução: Anna O. de Barros Barreto
Editora: Reler
Quanto: R$ 39 (140 págs.)


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