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Crítica
Minimalista, drama contempla seres frágeis diante da dureza do mundo
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma estudante grávida,
um aborto clandestino, um regime totalitário. Se cada um desses dados,
isoladamente, já configura um
drama considerável, imagine-os combinados, um intensificando a malignidade dos outros. Pois é isso o que ocorre em
"4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias".
O que torna extraordinário o
premiado filme do romeno
Cristian Mungiu é o rigoroso
minimalismo com que essa história é narrada, fugindo a qualquer tipo de melodramatização, de discurso moral ou de
panfletarismo político.
Ainda que a narrativa seja
ambientada em 1987, nos estertores da ditadura de Ceaucescu,
não se trata aqui de um "filme-denúncia".
O contexto histórico só acentua o desamparo de seres frágeis diante das asperezas do
mundo. Duas garotas -a grávida Gabita (Laura Vasiliu) e sua
amiga Otilia (Anamaria Marinca)- são lançadas num purgatório silencioso, feito de perigo
físico e opressão moral, que pode, a qualquer momento, tornar-se um inferno.
A reação de uma contrasta
com a da outra: Gabita age -ou
antes, deixa de agir- como
uma criança passiva e alienada;
Otilia toma iniciativas, enfrenta a adversidade, amadurece
anos em horas. Muito desse
processo duplo e contraditório
se revela sutilmente nos cantos
do quadro e não raro fora dele,
exigindo do espectador uma
atenção ativa.
Longe de Hollywood
Mungiu refuta sistematicamente a narrativa hollywoodiana, com sua teleologia e sua ausência de "pontos sem nó". Em
"4 Meses...", como na vida, quase todos os pontos ficam sem
nó.
A certa altura, por exemplo,
Otilia está com a amiga no
quarto de hotel onde se fará o
aborto. Aproveitando uma ida
do aborteiro ao banheiro, ela
fuça em sua maleta e pega uma
faca. Condicionados por Hollywood, esperamos que faça algum uso dela. Mas não: o objeto
é deixado de lado, perde totalmente o interesse. O que importa é o gesto estabanado da
personagem.
O filme é cheio desses microdesvios, pistas falsas, aparentes
vácuos de sentido. Parece nos
dizer que a vida é um acúmulo
de pequenos erros e que muito
do seu brilho está no desejo de
acertar. Dessa perspectiva, Otilia é uma das criaturas mais belas do cinema atual.
4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS
Direção: Cristian Mungiu
Produção: França/Romênia, 2007
Com: Anamaria Marinca, Laura Vasiliu
Onde: a partir de amanhã, no Cine
Bombril, no Espaço Unibanco e no Frei
Caneca Unibanco Arteplex
Avaliação: ótimo
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