São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica

Minimalista, drama contempla seres frágeis diante da dureza do mundo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Uma estudante grávida, um aborto clandestino, um regime totalitário. Se cada um desses dados, isoladamente, já configura um drama considerável, imagine-os combinados, um intensificando a malignidade dos outros. Pois é isso o que ocorre em "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias".
O que torna extraordinário o premiado filme do romeno Cristian Mungiu é o rigoroso minimalismo com que essa história é narrada, fugindo a qualquer tipo de melodramatização, de discurso moral ou de panfletarismo político.
Ainda que a narrativa seja ambientada em 1987, nos estertores da ditadura de Ceaucescu, não se trata aqui de um "filme-denúncia".
O contexto histórico só acentua o desamparo de seres frágeis diante das asperezas do mundo. Duas garotas -a grávida Gabita (Laura Vasiliu) e sua amiga Otilia (Anamaria Marinca)- são lançadas num purgatório silencioso, feito de perigo físico e opressão moral, que pode, a qualquer momento, tornar-se um inferno.
A reação de uma contrasta com a da outra: Gabita age -ou antes, deixa de agir- como uma criança passiva e alienada; Otilia toma iniciativas, enfrenta a adversidade, amadurece anos em horas. Muito desse processo duplo e contraditório se revela sutilmente nos cantos do quadro e não raro fora dele, exigindo do espectador uma atenção ativa.

Longe de Hollywood
Mungiu refuta sistematicamente a narrativa hollywoodiana, com sua teleologia e sua ausência de "pontos sem nó". Em "4 Meses...", como na vida, quase todos os pontos ficam sem nó.
A certa altura, por exemplo, Otilia está com a amiga no quarto de hotel onde se fará o aborto. Aproveitando uma ida do aborteiro ao banheiro, ela fuça em sua maleta e pega uma faca. Condicionados por Hollywood, esperamos que faça algum uso dela. Mas não: o objeto é deixado de lado, perde totalmente o interesse. O que importa é o gesto estabanado da personagem.
O filme é cheio desses microdesvios, pistas falsas, aparentes vácuos de sentido. Parece nos dizer que a vida é um acúmulo de pequenos erros e que muito do seu brilho está no desejo de acertar. Dessa perspectiva, Otilia é uma das criaturas mais belas do cinema atual.


4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS
Direção:
Cristian Mungiu
Produção: França/Romênia, 2007
Com: Anamaria Marinca, Laura Vasiliu
Onde: a partir de amanhã, no Cine Bombril, no Espaço Unibanco e no Frei Caneca Unibanco Arteplex
Avaliação: ótimo


Texto Anterior: O romeno que surpreendeu Cannes
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.