São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

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Livro reúne capas que deram cara à bossa nova

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Quem conhece o compacto "Bossa e Bossa", lançado em 1959 pelo Conjunto "Bossa Nova" (assim mesmo, entre aspas), formado por jovens como Roberto Menescal e Luiz Carlos Vinhas?
Ou "Jack Wilson Plays Brazilian Mancini", LP de 1967 com as canções de Henry Mancini tocadas em ritmo de bossa nova por músicos como o violonista "Tony Brazil" (também entre aspas), pseudônimo de Tom Jobim?
Ou, ainda, o disco de 1961 de Eduardo Lobo, que depois se tornaria Edu Lobo e passaria a ver com olhos severamente críticos seu compacto de estréia?
As capas dessas preciosidades são três das cerca de 700 reunidas em "Bossa Nova e Outras Bossas -°A Arte e o Design das Capas dos LPs". O livro é resultado da obstinação dos autores: Caetano Rodrigues, um dos principais colecionadores de discos do país, e Charles Gavin, baterista dos Titãs e responsável, nos últimos anos, pelo lançamento em CD de 350 LPs que estavam mofando nos arquivos das gravadoras.
A edição de luxo, em formato de LP e espessura de um robusto álbum, terá 500 exemplares vendidos (por R$ 200) a partir de março no site (www.vivario.org.br) e nos postos do Viva Rio, com renda revertida para a campanha de desarmamento feita pela ONG. Os outros 2.000 exemplares patrocinados pela Petrobras estão sendo distribuídos para bibliotecas públicas e outras instituições. Os autores negociam uma edição comercial.
"A bossa nova já nasceu moderna, e os artistas gráficos e fotógrafos foram se adaptando àquela música diferente que estava surgindo. A linguagem visual ficou à altura das transformações musicais", diz Gavin, 44.
Entre os que mais contribuíram para a criação da identidade visual da bossa nova estão os fotógrafos Mafra e Francisco Pereira e o artista gráfico Cesar G. Vilela.
Hoje com 74 anos, Vilela foi o inventor do marcante estilo da Elenco, gravadora de Aloysio de Oliveira especializada em bossa nova: capas normalmente com fundo branco, poucos elementos, ousadas tipologias e disposições das letras e, muitas vezes, ilustrações em vez de fotos.
"Na época, não havia toda essa promoção em torno de um disco que há hoje. Então, a capa do LP era seu display, precisava vendê-lo. Como havia muita poluição visual nas lojas, criei capas mais simples, claras, despojadas", conta Vilela, que também trabalhou nos EUA e calcula ter desenhado cerca de mil capas.
Ele diz que chegou a seu estilo experimentando, com poucas referências prévias, já que os discos internacionais não chegavam aqui com freqüência. Mas Gavin e Rodrigues vêem familiaridade com os LPs americanos de jazz.
"As capas da Blue Note, da Verve, da Impulse eram muito bonitas, não se limitavam a estampar a cara do artista. Assim como a bossa nova sofreu influência do jazz, as capas também devem ter sofrido", diz Gavin.
Mas "Bossa Nova e Outras Bossas" não é só um livro de design. Funciona como um grande catálogo do gênero, apresentando, por capítulos, os discos da "linha de frente da bossa nova" (João Gilberto e Tom Jobim), os de cantoras, cantores, instrumentais, internacionais e as trilhas e coletâneas. Todos os capítulos têm textos de abertura de Ruy Castro, além de pequenos comentários dos autores.
"Queria limitar os discos até 1967, mas tivemos que abrir exceções por causa da beleza e da importância de alguns, como "Amoroso" [de João Gilberto, de 1978]", conta Rodrigues, 69, proprietário das capas, algumas conseguidas com apoios como o de um havaiano apaixonado por música brasileira. "A enorme maioria dos discos nunca saiu em CD, e muitos só existem nas mãos de colecionadores", diz.
Gavin e Rodrigues sonham com o relançamento em CD de muitos desses discos e a disponibilização dos LPs para consultas em instituições especializadas.
Entre os atrativos do livro estão as capas que exploravam a febre da bossa nova e sua associação a alegria e juventude. São os casos de "Guitarra Bossa Nova", de Waltel Branco, "Sambalanço", da Moderna Orquestra de Sambas, e "Bossa Nova nos "States'", do saxofonista Juarez Araújo. As capas mostram como a felicidade de um tempo pode virar breguice em outro momento.


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