São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

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HQ

Lançada na Itália há 16 anos, série sobre a captura do aventureiro alemão por índios tupinambás no séc. 16 chega ao Brasil

Hans Staden retorna para banquete canibal

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Josimar Fernandes de Oliveira, ou Jô Oliveira, 60, se autodefine como um quadrinista bissexto. É só quando termina de confeccionar um novo selo para os Correios ou uma série de ilustrações para um livro infantil, que o artista gráfico pernambucano radicado há 20 anos em Brasília diz encontrar tempo para criar suas HQs.
"Fazer quadrinhos me dá uma certa preguiça. É algo muito longo", revelou, com tranqüilidade, à Folha, o autor de "Hans Staden -°Um Aventureiro no Novo Mundo", HQ de 71 páginas, em oito capítulos, que levou seis meses para ficar pronta e nada menos do que 16 anos para chegar ao Brasil.
"Chegar" porque, antes de virar álbum por aqui, pelas mãos da editora Conrad, a série de HQs sobre a captura do aventureiro alemão Hans Staden pelos índios tupinambás, em 1553, já havia sido publicada em três edições da revista italiana "Corto Maltese", casa de artistas como Hugo Pratt, Milo Manara e Guido Crepax.
Nem assim Oliveira se deslumbra. Enquanto muitos desenhistas de sua geração procuravam imitar o traço dos mestres dos quadrinhos americanos ou europeus, ele preferiu correr "atrás das raízes brasileiras" e adotou um traço inspirado nas xilogravuras que ilustram a literatura de cordel. "Meu trabalho é voltado para o campo. Não consigo desenhar linhas retas", conta.
Assim, como matéria-prima para a HQ de Staden, empregou mais as versões de Monteiro Lobato do que o original "Hans Staden: Duas Viagens", publicado na Alemanha em 1557 e que considera "às vezes cansativo".
"É uma história fantástica. Staden era um aventureiro, que só queria conhecer o mundo, mas acabou refém dos índios tupinambás por quase nove meses, correndo o risco de ser devorado", empolga-se. "Essa HQ tem que ser voltada para as crianças. O grande público para o quadrinho brasileiro está nas escolas. A disciplina história é dada de maneira muito chata. História é aventura."
Por pensar desta forma, Oliveira dividiu a HQ em capítulos que procuram sempre terminar com um gancho - "Arrastado até a vila, o alemão tinha certeza de que seria trucidado imediatamente", "Assustado? Pois saiba que tu poderás ser o próximo" etc.
Também para saltar direto à ação, o pernambucano preferiu suprimir a primeira das duas viagens de Staden ao Brasil. "Ele chegou em um povoado próximo do Recife, cercado de índios. É pequeno demais para uma história."
As boas relações com a Europa, estabelecidas no início da década de 70, quando foi cursar a Escola de Artes Gráficas na Hungria, abriram espaço para as histórias de Oliveira em países como Itália, Espanha, Dinamarca e Grécia. Seus trabalhos foram exibidos nos festivais de Lucca (73/74) e Angoulême (86).
A mesma "Corto Maltese", em 1984, publicou uma HQ de oito páginas inspirada na construção da ferrovia Madeira-Mamoré, a mesma que rendeu a atual minissérie da Globo "Mad Maria", baseada no romance homônimo de Márcio Souza. Dez anos mais tarde, foi a vez de a Embaixada da Espanha, em Brasília, apoiar a criação da HQ "As Amazonas", inspirada nas índias lendárias do Norte brasileiro.
"Essas mulheres capturavam os índios jovens para fazer amor com elas. Os filhos que nascessem homens eram mortos ou devolvidos, e as meninas ficavam. Há uma série de mistérios no ar. São elementos ideais de uma história em quadrinhos, mas também são reais", conta ele, que espera levar o projeto adiante no futuro.
Antes disso, Oliveira pretende concluir, ainda neste ano, uma parceria que iniciou com o cordelista Jota Borges. Aproveitando as comemorações do bicentenário de Hans Christian Andersen, a dupla está adaptando as fábulas do escritor para a literatura de cordel. "Por causa do cordel, para mim, os contos de fadas sempre foram nordestinos. Quando era pequeno e ouvia as histórias dos irmãos Grimm e de Andersen, imaginava a paisagem do Nordeste. Não entendia o que era neve."
O cangaço nordestino, que já retratou na HQ "A Guerra do Reino Divino" (Herdras, 2001), também continua nos planos do artista. "Há um lado mítico na morte de Lampião, todas as artes brasileiras já fizeram algo sobre ele." Sem pressa, um dia sai a sua.


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