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CINEMA
"Cicatrizes" respeita silêncios da obra de Saer
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
"Cicatrizes" é um livro que
virou filme. Sem deixar de ser
um livro. Ao transpor o romance
do escritor argentino Juan José
Saer (de 1969) à tela, o diretor Patrício Coll preocupou-se em obedecer não só ao texto como também aos imensos silêncios que
vão dando sentido à história e que
são uma característica importante da literatura de Saer. Talvez por
isso se perceba o uso excessivo de
um tom declamatório e poético
em contraste com uma claustrofóbica ausência de palavras, que
pontua outros momentos significativos da narrativa.
A ação se passa em Colastiné
(na província de Santa Fé), onde,
além de chover o tempo todo,
pouca coisa realmente acontece.
Estamos nos anos 60 numa Argentina que sobrevive a seguidos
golpes de Estado. Essa tensão toda, porém, parece não atingir o
interior, onde as pessoas vivem
em um estado de desolação constante, disfarçado pela manutenção de hábitos rígidos. Pelo menos nas aparências. Saindo da regra estão os que vivem à beira de
cometer alguma transgressão que
possa libertá-los desse universo
estagnado.
É o caso dos três protagonistas
de "Cicatrizes". Um é o advogado
Sérgio (Omar Fantini), viciado
em jogo que perdeu todo o seu dinheiro e agora gasta as economias
de sua submissa empregada. Outro é o jovem jornalista Angel (Pablo di Croce), o personagem mais
interessante da trama, voyeur
com uma aguçada curiosidade sexual e que nutre um desejo secreto por sua mãe. E, por fim, há Fiore (Vando Villamil), um operário
frustrado que mata a mulher.
Cada um à sua maneira, todos
terão seu momento de explosão
que os redimirá, mas apenas parcialmente, pois sua condição real
continuará sendo a mesma. Assim como a coluna de clima que
Angel redige no jornal da cidade e
que diz, diariamente, "as condições do tempo se mantêm invariáveis", o universo onde se colocam esses personagens não oferece escapatória.
Ao dar tanta atenção às entrelinhas do texto de Saer quanto as linhas propriamente ditas, Coll fez
literatura. Com uma câmera na
mão.
CICATRIZES. Quando: hoje, às 22h35 no
Canal Brasil
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