São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 2007

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Muhammad Ali é o pai do rap, diz livro

Publicitário americano defende que jargão do ex-campeão mundial de boxe lançou as bases para o movimento musical

Segundo o autor, influência do peso-pesado na formatação do gênero é reconhecida por rappers como Ludacris e Chuck D


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Os rappers Kanye West e Ludacris nasceram no Estado de Illinois; já o berço dos colegas Nas, Chuck D e Jay-Z é Nova York, na costa oposta à Califórnia natal do magrelo Snoop Dogg. As origens diferentes não impedem que eles tenham uma "ascendência" comum: o lutador de boxe Muhammad Ali, 65, três vezes campeão mundial dos pesos-pesados.
Quem sugere a árvore genealógica deste gênero musical norte-americano é o publicitário e designer George Lois, 75, autor do livro "Ali Rap Muhammad Ali: O Primeiro Campeão Peso-Pesado do Rap", lançado no fim do ano passado nos EUA.
Amigo do boxeador desde 1960 (conheceram-se poucos dias antes de Ali embarcar para os Jogos Olímpicos de Roma), Lois decidiu celebrar os 65 anos do atleta (completados em 17 de janeiro) com um inventário das rimas, provocações e declarações polêmicas que o ególatra falastrão fez ao longo da carreira. E concluiu: "Antes de haver o rap, houve o rap do Ali, um jargão truculento que só ele poderia criar".
Em entrevista por telefone à Folha, ele diz que o papel do esportista no surgimento do ritmo é reconhecido por músicos como Chuck D, Rackim e Ludacris. Desse último, Lois ouviu: "Sem Muhammad Ali, não teria havido rap". Ciente do possível exagero, o autor pondera: "Não sei se é verdade, mas eles [os rappers] acreditam. O que eu disse é que a macheza, as rimas e o ritmo de Ali, além da recusa em aceitar as restrições do "establishment", foram influências. Ele foi o catalisador, a explosão, aquele que pôs as mentes e corações para rimar".
Já se vão 20 anos desde que, durante um passeio de carro, Lois sugeriu pela primeira vez que o amigo teria um talento inato para o rap. Na verdade, o traquejo com os jogos de palavras vinha da adolescência. "Em 1954, um jornal de Louisville [onde Ali nasceu, no Estado de Kentucky] reportava que um certo Cassius Clay [nome do lutador antes de se converter ao islamismo, em 1964], iniciante de 12 anos, desafiara seu oponente em um duelo amador com o seguinte chiste: "Este cara tá ferrado/No primeiro round, já vai ser nocauteado'" (tradução livre).

Discurso pacifista
"Ele era um moleque muito atrevido, mas educado e gentil ao mesmo tempo. Quando subia no ringue e começava a falar de luta, virava um garoto insano... e engraçado", observa.
Mais tarde, com o despertar da consciência política e social trazido pela maturidade, sua eloqüência estaria a serviço da condenação das relações raciais nos EUA (como na enigmática "não há nada de errado, mas algo não está certo") e de um discurso pacifista, na época da Guerra do Vietnã.
Em 1967, a recusa em se juntar às tropas lhe valeu uma suspensão de três anos e a perda de seu título mundial (leia mais sobre a carreira de Ali ao lado).
A perseguição às personalidades que usam sua visibilidade para condenar conflitos armados ainda tem adeptos na América, como prova a recente via-crúcis do trio country Dixie Chicks, boicotado após criticar George Bush e a Guerra do Iraque. Mas Lois acha que há uma mudança em curso. "Os EUA estão finalmente acordando. É preciso ser cego e surdo para crer nessa guerra."
Tira o sono do autor a onda de rap com letras sexistas e hedonistas -o chamado "gangsta rap"- que parece dominar o cenário musical nos EUA. "Isso é brutal. Ali era doce, engraçado e espirituoso, mesmo no auge da ferocidade. Não se vê mais isso hoje em dia." Mas frisa: "Prefiro ver esses jovens negros com uma atitude exageradamente violenta a ver um cara abaixar a cabeça e aceitar o racismo". E Ali, o que pensa da produção de seus "afilhados"? "O vocabulário cafajeste não o incomoda, mas sim a violência e o sexismo", conta Lois.


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