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Muhammad Ali é o pai do rap, diz livro
Publicitário americano defende que jargão do ex-campeão mundial de boxe lançou as bases para o movimento musical
Segundo o autor, influência do peso-pesado na formatação do gênero é reconhecida por rappers como Ludacris e Chuck D
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Os rappers Kanye West e Ludacris nasceram no Estado de
Illinois; já o berço dos colegas
Nas, Chuck D e Jay-Z é Nova
York, na costa oposta à Califórnia natal do magrelo Snoop
Dogg. As origens diferentes não
impedem que eles tenham uma
"ascendência" comum: o lutador de boxe Muhammad Ali,
65, três vezes campeão mundial dos pesos-pesados.
Quem sugere a árvore genealógica deste gênero musical
norte-americano é o publicitário e designer George Lois, 75,
autor do livro "Ali Rap Muhammad Ali: O Primeiro Campeão
Peso-Pesado do Rap", lançado
no fim do ano passado nos
EUA.
Amigo do boxeador desde
1960 (conheceram-se poucos
dias antes de Ali embarcar para
os Jogos Olímpicos de Roma),
Lois decidiu celebrar os 65
anos do atleta (completados
em 17 de janeiro) com um inventário das rimas, provocações e declarações polêmicas
que o ególatra falastrão fez ao
longo da carreira. E concluiu:
"Antes de haver o rap, houve o
rap do Ali, um jargão truculento que só ele poderia criar".
Em entrevista por telefone à
Folha, ele diz que o papel do esportista no surgimento do ritmo é reconhecido por músicos
como Chuck D, Rackim e Ludacris. Desse último, Lois ouviu:
"Sem Muhammad Ali, não teria
havido rap". Ciente do possível
exagero, o autor pondera: "Não
sei se é verdade, mas eles [os
rappers] acreditam. O que eu
disse é que a macheza, as rimas
e o ritmo de Ali, além da recusa
em aceitar as restrições do "establishment", foram influências. Ele foi o catalisador, a explosão, aquele que pôs as mentes e corações para rimar".
Já se vão 20 anos desde que,
durante um passeio de carro,
Lois sugeriu pela primeira vez
que o amigo teria um talento
inato para o rap. Na verdade, o
traquejo com os jogos de palavras vinha da adolescência.
"Em 1954, um jornal de Louisville [onde Ali nasceu, no Estado de Kentucky] reportava que
um certo Cassius Clay [nome
do lutador antes de se converter ao islamismo, em 1964], iniciante de 12 anos, desafiara seu
oponente em um duelo amador
com o seguinte chiste: "Este cara tá ferrado/No primeiro
round, já vai ser nocauteado'"
(tradução livre).
Discurso pacifista
"Ele era um moleque muito
atrevido, mas educado e gentil
ao mesmo tempo. Quando subia no ringue e começava a falar
de luta, virava um garoto insano... e engraçado", observa.
Mais tarde, com o despertar
da consciência política e social
trazido pela maturidade, sua
eloqüência estaria a serviço da
condenação das relações raciais nos EUA (como na enigmática "não há nada de errado,
mas algo não está certo") e de
um discurso pacifista, na época
da Guerra do Vietnã.
Em 1967, a recusa em se juntar às tropas lhe valeu uma suspensão de três anos e a perda de
seu título mundial (leia mais
sobre a carreira de Ali ao lado).
A perseguição às personalidades que usam sua visibilidade para condenar conflitos armados ainda tem adeptos na
América, como prova a recente
via-crúcis do trio country Dixie
Chicks, boicotado após criticar
George Bush e a Guerra do Iraque. Mas Lois acha que há uma
mudança em curso. "Os EUA
estão finalmente acordando. É
preciso ser cego e surdo para
crer nessa guerra."
Tira o sono do autor a onda
de rap com letras sexistas e hedonistas -o chamado "gangsta
rap"- que parece dominar o
cenário musical nos EUA. "Isso
é brutal. Ali era doce, engraçado e espirituoso, mesmo no auge da ferocidade. Não se vê mais
isso hoje em dia." Mas frisa:
"Prefiro ver esses jovens negros
com uma atitude exageradamente violenta a ver um cara
abaixar a cabeça e aceitar o racismo". E Ali, o que pensa da
produção de seus "afilhados"?
"O vocabulário cafajeste não o
incomoda, mas sim a violência
e o sexismo", conta Lois.
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