São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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BIA ABRAMO

Moldura paradidática


Em "Queridos Amigos", personagens estão acossados pela história e não pela memória

PARA QUEM tem mais de, digamos, 35 anos, é difícil ficar insensível à "Queridos Amigos", a nova minissérie de Maria Adelaide Amaral que estreou na última segunda-feira.
Está lá um pedaço de memória muito vívida para os brasileiros nascidos até o início dos anos 70: o ano é 1989, da primeira eleição direta para a Presidência da República depois do golpe de 1964.
Em termos dramáticos, não poderia haver período melhor: os personagens, ao mesmo tempo, têm que se haver com as escolhas de juventude, algumas delas ainda marcadas pela radicalidade típica da geração do imediato pós-Segunda Guerra, e com a debacle das possibilidades utópicas tanto no plano histórico-político, assinaladas pela queda do Muro de Berlim, como no pessoal.
Um grupo de amigos, virando a esquina dos 40 anos no final da fatídica década de 80, volta a se reunir, por insistência de um deles, o escritor/ publicitário Léo (Dan Stulbach), que está doente. São professores, artistas, jornalistas, todos com um passado ligado à esquerda e às mudanças comportamentais da década de 60, ao refluxo político dos anos 70 e ao desencanto da década que sepultou o século 20.
A fórmula já foi usada no cinema -"O Reencontro", de Lawrence Kasdan em 1983; "Para o Resto de Nossas Vidas", de Kenneth Branagh em 1992- e, nos dois casos, resultou em filmes, se não brilhantes, simpáticos e emocionantes. Como na minissérie de Maria Adelaide Amaral, o balanço da geração do baby boom tem uma certa amargura e desencanto que acabam por tocar a todos que estiveram por lá.
Em "Queridos Amigos", entretanto, ao balanço existencial de uma geração se impõe uma moldura paradidática que tenta "explicar" tudo o que acontece reiterando de forma mecânica as ligações com a história. Como nas minisséries "Um Só Coração" e "JK", parte-se do pressuposto de que os indivíduos estão como que acossados pela história (e não pela memória), o que resulta em narrativas esburacadas pela obrigatoriedade de fazer referências emblemáticas a todo momento.
É como se a vida privada de determinado período se desse na frente de um pano de fundo de uma apresentação em Power Point, onde se sucedem as imagens, os sons, os objetos, as palavras típicas daquele momento.
Mesmo que a autora não classifique "Queridos Amigos" como "histórica" e tenha baseado a série em obra original, o molde da história, ao menos nos primeiros capítulos, se impôs. Além de empobrecedor para a história e para a narrativa, resvala fácil, fácil na chatice pura e simples.


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