São Paulo, quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

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Crítica/ "Heligoland"

Massive Attack se mantém vivo com disco frio e emocional

Desde os anos 1990 a dupla inglesa de trip hop produz música interessante

EDGARD SCANDURRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos anos 1990, enquanto o rock and roll ia para o estaleiro cuidar de necessárias reformas, uma nova onda de excelentes DJs e produtores surgia, apresentando uma opção revolucionária em ouvir, criar e dançar aquela música tecnológica, transcendental, tribal, minimalista, acelerada, grave.
Existiu, então, uma questão desafiadora: Como fazer uma música orgânica, tocada por instrumentos de verdade, ser interessante e inovadora, frente a essa cena de loops, samples, computadores e máquinas da música eletrônica? Foi pelo caminho da dança lenta, calma, romântica, adulta e, quase sempre, hipnótica do trip hop, representado por nomes pioneiros como Trick, Portishead e principalmente pelo grupo inglês Massive Attack que se enfrentou esse desafio.
Duas décadas após o seu início e sete anos depois de seu último trabalho (o fantástico "100th Window"), ouço esse novo CD e noto, feliz, que eles ainda fazem obras de arte em suas músicas. Unindo incríveis levadas de baixo acompanhadas por baterias de estranhas afinações, timbres soturnos e misteriosos, aos sussurros do mentor Robert "3D" del Naja e Grant "Daddy G" Marshall, a linda voz de Martina Topley-Bird, a inconfundível voz trêmula do veterano cantor de reggae Horace Andy e a sempre feliz escolha dos convidados -como Damon Albarn, da banda Blur-, faz este disco do Massive Attack (assim como os anteriores) ter verdadeiros momentos de genialidade.
Eles me passam uma sensação do músico que vive a música pela música, sem afetações.
Nada fashion. Me lembro em 1998 quando eles tocaram após apresentação do Kraftwerk, em São Paulo, no antigo festival Free Jazz. Muitos da plateia foram embora após o show dos alemães, pois parecia que mais nada podia superar o espetáculo robótico. Porém, quem ficou viu um grupo potente, maduro, com os músicos e seus crachás pendurados, suas "pochetes" na cintura, camisetas de algodão, desencanados, fazendo um som forte e condutor de sensações -que o trip hop sabe muito bem nos levar.
Meu Deus! Em quantos "chill-outs" eu me joguei, descansando o corpo cansado, pós raves e clubes, ouvindo Massive Attack e outros sons viajantes, nos anos 1990? Centenas de vezes, certamente.
Por isso, a princípio, não tinha gostado deste disco. Ter algo de nostálgico não combinava com um grupo que soava tão moderno até pouco tempo.
Foi aí que dei a mesma chance que se deve dar a qualquer trabalho inspirador e descobri riqueza em todas as faixas deste disco. Pesquisei e vi que o título do CD, "Heligoland", é o nome de um arquipélago alemão. Não é por menos. Frio e emocional como é este disco, o nome de uma cidadezinha do litoral alemão pode passar sensação bem semelhante.
A boa música nem sempre é atemporal. Ela registra momentos, como um trilha sonora. Assim, o Massive Attack se mantém vivo e interessante, pois como sugere um ditado cigano: O futuro está lá atrás.


EDGARD SCANDURRA é músico

HELIGOLAND
Artista: Massive Attack
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo


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