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EU FUI
Saramago é mais generoso do que aparenta
BETTY MILAN
especial para a Folha, em Paris
Participei de uma mesa redonda do Salão do Livro de Paris, cujo
convidado de honra era Portugal,
e gostei muito de ter estado no salão. Primeiro pelo encontro que
tive com José Saramago.
Peço uma entrevista para o caderno Mais!, e ele me responde
que, no primeiro dia, não é possível. Alega que há muitos outros
portugueses a serem entrevistados. Não faz isso para evitar o trabalho, mas por ser generoso. A
prova da sua magnanimidade está no que acontece pouco depois.
Mostro o texto de um júri do qual
ele participou, o do prêmio Casa
de las Americas relativo ao livro
"Avante Soldados para Trás", de
Deonísio da Silva: "O romance
projeta um olhar crítico sobre a
Guerra do Paraguai. A ficcionalização deste cruel episódio da história brasileira e latino-americana
é feita com distanciamento irônico e revela o grande jogo de interesses que moveram essa guerra.
O romance consegue narrar os
pequenos grandes dramas do cotidiano, criando personagens
complexos e contraditórios, por
meio dos quais consegue sublinhar o absurdo dessa e de todas as
guerras. O domínio das técnicas
narrativas, o trabalho equilibrado
com a tradição e a invenção, a linguagem sólida, sem grandes deslizes, são algumas das qualidades
literárias que justificam o prêmio".
José Saramago lê esse texto e me
diz que é seu. Peço então que ele o
assine para que o livro encontre
editor na França, onde ainda não
foi publicado. O prêmio Nobel
não tem a menor dúvida. Tira a
caneta do bolso e assina.
Mas ter participado do salão
também foi um privilégio pelas
falas que ouvi. Eduardo Lourenço, considerado o maior ensaísta
vivo da língua portuguesa, disse
que foi educado no catolicismo e
que, por ser fiel à sua infância,
continuava a ser católico. Surpreendeu o auditório justificando
a religiosidade pela crença na infância, e afirmando também que
"embora eterna, a verdade é filha
do tempo". Agustina Bessa Luís
comportou-se como uma velha
dama indigna.
Os escritores portugueses mostraram em Paris que o seu trabalho se inscreve na tradição da resistência e eu não pude deixar de
considerar que nós brasileiros poderíamos ter aprendido tanto
com o governo militar quanto
eles aprenderam com Salazar.
Betty Milan é escritora e psicanalista, autora de "O Papagaio e o Doutor" (Record), entre outros
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