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OSCAR 2000
Academia consagra Wajda
France Presse
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O conjunto de sua obra deu a Wajda o Leão de Ouro de Veneza em 98 (foto) e agora lhe dá o Oscar |
BRENDAN LEMON
do "The New York Times"
Uma noite dessas, em frente a
um cinema de Nova York, uma
mulher tentava passar pela multidão de pessoas esperando para
comprar ingressos. A certo ponto,
perguntou a um dos presentes
qual era a causa da confusão.
"Tentamos entrar para ver o novo filme de Andrzej Wajda", disse
o homem. "Quem é ele?", perguntou ela. "O artista mais famoso da
Polônia", ele respondeu.
Pode parecer uma velha piada
de Mel Brooks, mas o homem,
que tinha um forte sotaque polonês, falava sério. Wajda (nome
completo pronunciado Ândrei
Váida), 74, há muito vem sendo o
mais politicamente enérgico, artisticamente controvertido e famoso cineasta de seu país.
Ele ocupa essa posição desde
que sua trilogia sobre a Segunda
Guerra Mundial -"Geração",
"Kanal" e "Cinzas e Diamantes"- trouxe novo viço ao cinema polonês na metade dos anos
50. Em sua terra, Wajda é amado
tão fervorosamente quanto um
astro do rock -ou, para expressar as coisas de maneira mais polonesa, quanto um poeta.
E foi um de seus mais queridos
escritores românticos, Adam
Mickiewicz, que inspirou o novo
trabalho de Wajda, com seu poema narrativo "Pan Tadeusz"
("Lorde Tadeusz"), de 1834 -o
filme que causou o tal tumulto.
Passado na Lituânia e com mais
casos de amor, disputas aristocráticas, bailes e batalhas do que um
curso de um semestre sobre romances russos, o trabalho bateu
recordes de bilheteria na Polônia.
Essa popularidade é uma espécie de volta por cima comercial
para Wajda; desde a queda do comunismo e o colapso dos estúdios de cinema financiados pelo
Estado uma década atrás, a Polônia vem acolhendo os trabalhos
de cineastas norte-americanos
com muito mais carinho do que
os de seus velhos mestres.
E Hollywood mesma decidiu
prestar uma homenagem a Wajda. Na cerimônia do Oscar, este
mês, ele receberá um prêmio honorário. Ao anunciar o prêmio,
em 1º de janeiro, Robert Rehme, o
presidente da Academia de Artes
e Ciências Cinematográficas, disse que Wajda "pertence à Polônia,
mas seus filmes são parte do tesouro cultural da humanidade".
Um desconhecido
Da mesma forma que a mulher
em frente ao cinema, porém, muitos dos espectadores da cerimônia provavelmente estarão se perguntando quem é Andrzej Wajda.
Até mesmo os que tiverem visto
um ou dois de seus mais de 40 trabalhos podem precisar de um
lembrete sobre as razões pelas
quais ele é considerado digno de
uma honraria que em geral é destinada a artistas mais presentes na
memória, como Fred Astaire, Orson Welles e Akira Kurosawa.
Ainda que o Oscar honorário
seja muitas vezes visto como o
troféu "pé-na-cova", porque muitos que o receberam estavam passando por problemas de saúde,
Wajda voltou a trabalhar a plena
carga depois de uma ponte de safena, no final de 99.
Em entrevista telefônica concedida de sua casa em Varsóvia, ele
disse que não passa muito tempo
pensando na disparidade entre
sua popularidade no exterior e
seu prestígio doméstico. A audiência internacional, disse, "foi
uma recompensa adicional
-sempre inesperada, e sempre
bem-vinda".
Ele disse que não importam os
altos e baixos de sua reputação internacional; sempre teve em mente uma frase de Rousseau: "Não se
pode impedir que engulam vocês", disse o filósofo suíço aos poloneses, sobre seus agressores, em
1771. "Por isso, vocês precisam
pelos menos garantir que eles não
possam digeri-los."
A frase, que comentava e antecipava a ocupação da Polônia por
russos, alemães e austríacos, é um
prelúdio bastante apropriado ao
próximo filme de Wajda, que está
em planejamento.
O tema será o massacre de
Katyn, em 1940, quando milhares
de oficiais poloneses que se haviam rendido ao Exército Vermelho (soviético) em 1939 e estavam
detidos em campos de prisioneiros de guerra na Rússia foram
conduzidos a um pequeno bosque perto da aldeia de Katyn e fuzilados. Por anos, os comunistas
imputaram aos alemães, seus
aliados no momento do massacre- a culpa pelo crime. Os corpos ficaram ocultos por três anos;
um deles era o do pai de Wajda.
Wajda, nascido em Suwalki, no
sul da Polônia, em 1926, cresceu
em meio ao tumulto do quartel de
cavalaria em que seu pai servia.
Como adolescente, participou da
resistência clandestina durante a
Segunda Guerra Mundial e depois dela se matriculou na Academia de Belas Artes de Cracóvia.
Em 1949, Wajda se transferiu à
então recém-inaugurada escola
estatal de cinema de Lodz, uma
instituição que ajudou a formar
diversas gerações de cineastas poloneses (entre os quais Roman
Polanski e Krzysztof Kieslowski) e
que, por muitos anos, ofereceu
mais espaço para a criatividade
do que o mundo dominado pelos
soviéticos do lado de fora.
Ainda que seu longa de estréia,
"Geração", de 1955, que narrava a
história de um grupo de resistência esquerdista na Polônia durante a guerra, tenha despertado algum interesse, seus filmes só começaram a atrair grande interesse
a partir de 1957.
Naquele ano, "Kanal", o segundo filme de Wajda, chegou aos cinemas. História fictícia de um
grupo de resistência lutando nos
esgotos em busca de uma rota de
fuga durante o levante de Varsóvia em 1944, o filme atraiu ataques
de ambos os extremos do espectro político polonês. As audiências, no entanto, responderam
bem, e a crítica internacional não
economizou prêmios.
Simbolismo
Em seus dois primeiros longas,
Wajda estabeleceu uma de suas
marcas registradas: a afinidade
por temas duros, até mesmo brutais, acompanhados de um visual
barroco e sobrecarregado de simbolismo -um recurso para "contrabandear" conteúdo político
debaixo do nariz da censura e que
ajudou a estabelecer sua popularidade. Para os poloneses, seus
símbolos representavam não só
uma visão poética, mas também o
idioma da liberdade.
O talento de Wajda para criar
imagens marcantes fica evidente
também em sua obra-prima,
"Cinzas e Diamantes", de 1958.
Além disso, nele estão presentes
quase todos os seus temas: a inexorabilidade do destino; o destino
de um indivíduo como emblema
do destino nacional; a preocupação polonesa com o martírio; e a
sensação da morte de uma era enquanto a que a vai suceder luta
para nascer.
Literatura
O trabalho do cineasta com organizações políticas e artísticas na
Polônia e sua presença constante
em festivais de cinema no exterior
o mantiveram em contato com as
tendências estéticas e tecnológicas recentes, mas ele exemplifica
uma geração anterior de diretores, para quem as referências
eram Dostoiévski e Shakespeare.
O amor de Wajda pela literatura
o levou por diversas vezes a basear trabalhos em obras-primas
literárias do período romântico e
da modernidade, tanto russas como polonesas.
Em parte, é a dependência de
Wajda em relação a esses escritores e cenários, e a temas históricos
desconhecidos fora da Europa
Oriental, que limita o crescimento
de sua reputação no exterior,
também afetada pela posição de
seu trabalho em relação à evolução da história do cinema -nos
EUA, as audiências do cinema de
arte nos anos 60 e 70 chegaram
tarde demais para presenciar sua
espantosa estréia. As mais recentes mostraram ainda menos inclinação por prestigiar Wajda. E
"Pan Tadeusz", a despeito do aparente sucesso em NY, pareceu a
alguns críticos americanos apenas mais um dramalhão de época.
Mas, para esse artista prodigioso, há sempre diversos projetos
em curso. "Eu gostaria de fazer
muitos filmes ainda", disse. "Gostaria especialmente de tentar capturar o momento pelo qual o meu
país passa, à medida que nos integramos ao mundo ocidental."
Tradução Paulo Migliacci
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