São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2000


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OSCAR 2000
Academia consagra Wajda

France Presse
O conjunto de sua obra deu a Wajda o Leão de Ouro de Veneza em 98 (foto) e agora lhe dá o Oscar


BRENDAN LEMON
do "The New York Times"


Uma noite dessas, em frente a um cinema de Nova York, uma mulher tentava passar pela multidão de pessoas esperando para comprar ingressos. A certo ponto, perguntou a um dos presentes qual era a causa da confusão.
"Tentamos entrar para ver o novo filme de Andrzej Wajda", disse o homem. "Quem é ele?", perguntou ela. "O artista mais famoso da Polônia", ele respondeu.
Pode parecer uma velha piada de Mel Brooks, mas o homem, que tinha um forte sotaque polonês, falava sério. Wajda (nome completo pronunciado Ândrei Váida), 74, há muito vem sendo o mais politicamente enérgico, artisticamente controvertido e famoso cineasta de seu país.
Ele ocupa essa posição desde que sua trilogia sobre a Segunda Guerra Mundial -"Geração", "Kanal" e "Cinzas e Diamantes"- trouxe novo viço ao cinema polonês na metade dos anos 50. Em sua terra, Wajda é amado tão fervorosamente quanto um astro do rock -ou, para expressar as coisas de maneira mais polonesa, quanto um poeta.
E foi um de seus mais queridos escritores românticos, Adam Mickiewicz, que inspirou o novo trabalho de Wajda, com seu poema narrativo "Pan Tadeusz" ("Lorde Tadeusz"), de 1834 -o filme que causou o tal tumulto. Passado na Lituânia e com mais casos de amor, disputas aristocráticas, bailes e batalhas do que um curso de um semestre sobre romances russos, o trabalho bateu recordes de bilheteria na Polônia.
Essa popularidade é uma espécie de volta por cima comercial para Wajda; desde a queda do comunismo e o colapso dos estúdios de cinema financiados pelo Estado uma década atrás, a Polônia vem acolhendo os trabalhos de cineastas norte-americanos com muito mais carinho do que os de seus velhos mestres.
E Hollywood mesma decidiu prestar uma homenagem a Wajda. Na cerimônia do Oscar, este mês, ele receberá um prêmio honorário. Ao anunciar o prêmio, em 1º de janeiro, Robert Rehme, o presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, disse que Wajda "pertence à Polônia, mas seus filmes são parte do tesouro cultural da humanidade".
Um desconhecido
Da mesma forma que a mulher em frente ao cinema, porém, muitos dos espectadores da cerimônia provavelmente estarão se perguntando quem é Andrzej Wajda. Até mesmo os que tiverem visto um ou dois de seus mais de 40 trabalhos podem precisar de um lembrete sobre as razões pelas quais ele é considerado digno de uma honraria que em geral é destinada a artistas mais presentes na memória, como Fred Astaire, Orson Welles e Akira Kurosawa.
Ainda que o Oscar honorário seja muitas vezes visto como o troféu "pé-na-cova", porque muitos que o receberam estavam passando por problemas de saúde, Wajda voltou a trabalhar a plena carga depois de uma ponte de safena, no final de 99.
Em entrevista telefônica concedida de sua casa em Varsóvia, ele disse que não passa muito tempo pensando na disparidade entre sua popularidade no exterior e seu prestígio doméstico. A audiência internacional, disse, "foi uma recompensa adicional -sempre inesperada, e sempre bem-vinda".
Ele disse que não importam os altos e baixos de sua reputação internacional; sempre teve em mente uma frase de Rousseau: "Não se pode impedir que engulam vocês", disse o filósofo suíço aos poloneses, sobre seus agressores, em 1771. "Por isso, vocês precisam pelos menos garantir que eles não possam digeri-los."
A frase, que comentava e antecipava a ocupação da Polônia por russos, alemães e austríacos, é um prelúdio bastante apropriado ao próximo filme de Wajda, que está em planejamento.
O tema será o massacre de Katyn, em 1940, quando milhares de oficiais poloneses que se haviam rendido ao Exército Vermelho (soviético) em 1939 e estavam detidos em campos de prisioneiros de guerra na Rússia foram conduzidos a um pequeno bosque perto da aldeia de Katyn e fuzilados. Por anos, os comunistas imputaram aos alemães, seus aliados no momento do massacre- a culpa pelo crime. Os corpos ficaram ocultos por três anos; um deles era o do pai de Wajda.
Wajda, nascido em Suwalki, no sul da Polônia, em 1926, cresceu em meio ao tumulto do quartel de cavalaria em que seu pai servia. Como adolescente, participou da resistência clandestina durante a Segunda Guerra Mundial e depois dela se matriculou na Academia de Belas Artes de Cracóvia.
Em 1949, Wajda se transferiu à então recém-inaugurada escola estatal de cinema de Lodz, uma instituição que ajudou a formar diversas gerações de cineastas poloneses (entre os quais Roman Polanski e Krzysztof Kieslowski) e que, por muitos anos, ofereceu mais espaço para a criatividade do que o mundo dominado pelos soviéticos do lado de fora.
Ainda que seu longa de estréia, "Geração", de 1955, que narrava a história de um grupo de resistência esquerdista na Polônia durante a guerra, tenha despertado algum interesse, seus filmes só começaram a atrair grande interesse a partir de 1957.
Naquele ano, "Kanal", o segundo filme de Wajda, chegou aos cinemas. História fictícia de um grupo de resistência lutando nos esgotos em busca de uma rota de fuga durante o levante de Varsóvia em 1944, o filme atraiu ataques de ambos os extremos do espectro político polonês. As audiências, no entanto, responderam bem, e a crítica internacional não economizou prêmios.

Simbolismo
Em seus dois primeiros longas, Wajda estabeleceu uma de suas marcas registradas: a afinidade por temas duros, até mesmo brutais, acompanhados de um visual barroco e sobrecarregado de simbolismo -um recurso para "contrabandear" conteúdo político debaixo do nariz da censura e que ajudou a estabelecer sua popularidade. Para os poloneses, seus símbolos representavam não só uma visão poética, mas também o idioma da liberdade.
O talento de Wajda para criar imagens marcantes fica evidente também em sua obra-prima, "Cinzas e Diamantes", de 1958. Além disso, nele estão presentes quase todos os seus temas: a inexorabilidade do destino; o destino de um indivíduo como emblema do destino nacional; a preocupação polonesa com o martírio; e a sensação da morte de uma era enquanto a que a vai suceder luta para nascer.

Literatura
O trabalho do cineasta com organizações políticas e artísticas na Polônia e sua presença constante em festivais de cinema no exterior o mantiveram em contato com as tendências estéticas e tecnológicas recentes, mas ele exemplifica uma geração anterior de diretores, para quem as referências eram Dostoiévski e Shakespeare.
O amor de Wajda pela literatura o levou por diversas vezes a basear trabalhos em obras-primas literárias do período romântico e da modernidade, tanto russas como polonesas.
Em parte, é a dependência de Wajda em relação a esses escritores e cenários, e a temas históricos desconhecidos fora da Europa Oriental, que limita o crescimento de sua reputação no exterior, também afetada pela posição de seu trabalho em relação à evolução da história do cinema -nos EUA, as audiências do cinema de arte nos anos 60 e 70 chegaram tarde demais para presenciar sua espantosa estréia. As mais recentes mostraram ainda menos inclinação por prestigiar Wajda. E "Pan Tadeusz", a despeito do aparente sucesso em NY, pareceu a alguns críticos americanos apenas mais um dramalhão de época.
Mas, para esse artista prodigioso, há sempre diversos projetos em curso. "Eu gostaria de fazer muitos filmes ainda", disse. "Gostaria especialmente de tentar capturar o momento pelo qual o meu país passa, à medida que nos integramos ao mundo ocidental."


Tradução Paulo Migliacci

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