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CINEMA
"Através da Janela", janela do mundo, vai ao Sesc
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
Após a bela première mundial
no Festival de Roterdã 2000 e o
convite para abrir o Festival Films
de Femmes (França), hoje, "Através da Janela" tem pré-estréia nacional na segunda, dia 27, no Festival Sesc de Melhores Filmes de
1999, em São Paulo.
O filme de Tata Amaral, que entra em circuito em maio, disseca a
relação entre uma enfermeira
aposentada (Laura Cardoso) e seu
filho (Fransérgio Araújo).
A doce rotina, que encerra laços
afetivos e eróticos, é perturbada e
desagregada pela atitude estranha
do filho, ligado a incertas companhias. Levando o paroxismo de
"Um Céu de Estrelas" a outras esferas, a diretora alcança um neonaturalismo intransigente.
Por seu tema, o filme pode ser lido em linhas psicológicas ou trágicas (mitos do sexo materno e filial). Mas há outra chave, cinematográfica. "Através da Janela"
atravessa a janela do cinema de
decupagem clássica, violando e
eletrizando normas narrativas.
A decupagem clássica é um código de regras determinado por
Hollywood há 85 anos, que visa
produzir impressão e ilusão de
realidade, identificação e manipulação do espectador.
Mecanismos como continuidade da ação, transparência ficcional e representação verossímil
apagam a noção de filme como
discurso ideológico sobre (que
produz, e não reproduz) a realidade.
O expediente culmina na idéia
de cinema como janela do mundo, como demonstra Ismail Xavier ("O Discurso Cinematográfico"). Mas "a tela de cinema é centrífuga" (André Bazin), pois as figuras tendem a escapar para o espaço fora da tela.
E é no espaço sonoro que "Através da Janela" encena o drama
além do quadro. É no tempo (lugar do som e da música) que opera sua tensão.
Sob a batuta da diretora, o excepcional e sofisticado trabalho
de edição de som (Eduardo Santos Mendes), música (Livio Tragtenberg e Wilson Sukorski) e mixagem (José Luiz Sasso) segue e
aprofunda o desenrolar da trama.
Se a vida do filho torna-se para a
mãe algo em "off", o filme trabalha o som e a música também em
"off". O barulho da rua invade o
lar por portas e janelas, devassando a intimidade e trazendo a
ameaça exterior (a casa em frente
é o foco da desunião).
A metamorfose crescente e o
sincronismo da trilha musical
com ruídos espelham sentimentos e estranhamento.
Se a mãe não sabe o que está
ocorrendo com o filho (está fora
de seu campo de visão), o filme
faz ocorrer essa desorientação no
espaço "off" da tela. O que se projeta das caixas de som dispostas
nas laterais e no fundo do cinema
é explosão de sentidos para o ouvido sensível e mental.
Na contenção da catarse, atos
cotidianos ganham contornos
míticos, como a cena da mãe
"afogando" o filho no balde. O final despojado é tão banal quanto
desconcertante. Na segregação
entre espaços da tela e da sala, o
triunfo de Tata Amaral é tragar o
espectador na tragédia sem aliená-lo do estatuto de espetáculo.
Avaliação:
Filme: Através da Janela
Diretora: Tata Amaral
Produção: Brasil, 2000
Quando: 27/3, às 20h, no CineSesc
(somente para convidados)
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