São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2000


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CINEMA
"Através da Janela", janela do mundo, vai ao Sesc

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

Após a bela première mundial no Festival de Roterdã 2000 e o convite para abrir o Festival Films de Femmes (França), hoje, "Através da Janela" tem pré-estréia nacional na segunda, dia 27, no Festival Sesc de Melhores Filmes de 1999, em São Paulo.
O filme de Tata Amaral, que entra em circuito em maio, disseca a relação entre uma enfermeira aposentada (Laura Cardoso) e seu filho (Fransérgio Araújo).
A doce rotina, que encerra laços afetivos e eróticos, é perturbada e desagregada pela atitude estranha do filho, ligado a incertas companhias. Levando o paroxismo de "Um Céu de Estrelas" a outras esferas, a diretora alcança um neonaturalismo intransigente.
Por seu tema, o filme pode ser lido em linhas psicológicas ou trágicas (mitos do sexo materno e filial). Mas há outra chave, cinematográfica. "Através da Janela" atravessa a janela do cinema de decupagem clássica, violando e eletrizando normas narrativas.
A decupagem clássica é um código de regras determinado por Hollywood há 85 anos, que visa produzir impressão e ilusão de realidade, identificação e manipulação do espectador.
Mecanismos como continuidade da ação, transparência ficcional e representação verossímil apagam a noção de filme como discurso ideológico sobre (que produz, e não reproduz) a realidade.
O expediente culmina na idéia de cinema como janela do mundo, como demonstra Ismail Xavier ("O Discurso Cinematográfico"). Mas "a tela de cinema é centrífuga" (André Bazin), pois as figuras tendem a escapar para o espaço fora da tela.
E é no espaço sonoro que "Através da Janela" encena o drama além do quadro. É no tempo (lugar do som e da música) que opera sua tensão.
Sob a batuta da diretora, o excepcional e sofisticado trabalho de edição de som (Eduardo Santos Mendes), música (Livio Tragtenberg e Wilson Sukorski) e mixagem (José Luiz Sasso) segue e aprofunda o desenrolar da trama.
Se a vida do filho torna-se para a mãe algo em "off", o filme trabalha o som e a música também em "off". O barulho da rua invade o lar por portas e janelas, devassando a intimidade e trazendo a ameaça exterior (a casa em frente é o foco da desunião).
A metamorfose crescente e o sincronismo da trilha musical com ruídos espelham sentimentos e estranhamento.
Se a mãe não sabe o que está ocorrendo com o filho (está fora de seu campo de visão), o filme faz ocorrer essa desorientação no espaço "off" da tela. O que se projeta das caixas de som dispostas nas laterais e no fundo do cinema é explosão de sentidos para o ouvido sensível e mental.
Na contenção da catarse, atos cotidianos ganham contornos míticos, como a cena da mãe "afogando" o filho no balde. O final despojado é tão banal quanto desconcertante. Na segregação entre espaços da tela e da sala, o triunfo de Tata Amaral é tragar o espectador na tragédia sem aliená-lo do estatuto de espetáculo.


Avaliação:     

Filme: Através da Janela Diretora: Tata Amaral Produção: Brasil, 2000 Quando: 27/3, às 20h, no CineSesc (somente para convidados)

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