|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Cinema é de Julianne Moore como literatura, de Graham Greene
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
Há motivos muito mais fortes
para ver "Fim de Caso", a versão
para o romance de Graham Greene dirigida por Neil Jordan, que a
mera corrida ao Oscar.
Sim, as duas indicações foram
mais que merecidas e destacam
com precisão o que o filme tem de
verdadeiramente espetacular: o
desempenho de Julianne Moore e
a direção de fotografia de Roger
Pratt.
"Fim de Caso" volta a chamar
atenção para um dos grandes dramas românticos da literatura do
século 20, reeditado agora pela
Record (R$ 12,15, 237 págs.). Publicado em 1951 por Graham
Greene (1904-1991), é, de longe,
seu mais marcante romance intimista. Sua leitura ainda hoje provoca vertigens ao nos conduzir
pelos múltiplos ângulos de uma
trágica e frenética história de
adultério.
O feito literário supera em muito o encanto sensacionalista das
raízes autobiográficas da narrativa (o caso de Greene com a americana Catherine Walston). O escritor Maurice Bendrix é o mais convincente alter ego criado por
Greene, em sua insegurança arrogante, sua tímida coragem, seu
humanismo misantropo, sua crédula descrença.
"Fim de Caso" disseca o triângulo amoroso envolvendo Bendrix, a burguesa entediada Sarah
e seu marido funcionário público,
Henry Miles. Tudo gira em torno
da Londres escura e temerosa dos
anos 40, dos tempos da Segunda
Guerra aos primeiros anos da dura reconstrução.
Nos anos conturbados por
bombardeios e destruições, Bendrix e Sarah encontram a paz vivendo uma fogosa história de
amor. Nem por isso a amizade entre traidor e traído se desgasta ou
o cotidiano se altera no lar dos
Miles.
Greene frisa, em "Fim de Caso",
como ninguém partilha uma história de amor, quanto menos seus
diretos protagonistas. As razões e
sobretudo desrazões de uma paixão são vividas de forma exclusiva e solitária. Um amor de sucesso se estabelece quando duas ilusões se complementam ou, no
mínimo, correm em paralelo -e
não quando, utopicamente, se
identificam.
A explosão de uma bomba durante uma tarde de amor catalisa
a separação. É difícil desenvolver
mais suas consequências sem
roubar o prazer ao leitor ou ao espectador.
Edward Dmytryk já levara "Fim
de Caso" às telas em 1955, numa
versão lembrada apenas pelos dicionários de filmes. Neil Jordan
deu-se melhor, sintetizando com
poucas liberdades a trama original, ainda que jamais consiga
transpor plenamente para a tela
toda a angústia das páginas de
Greene.
Sua deslumbrante concepção
visual para "Fim de Caso" homenageia outra clássica história britânica de adultério, o tocante "Desencanto", filmado em 1945 por
David Lean. Ralph Fiennes empresta carne e osso à obsessão romântica de Bendrix, e Stephen
Rea compõe um Henry tão palpável que parece definitivo.
Mas o filme decola rumo ao extraordinário nas rápidas aparições de Julianne Moore como Sarah. Ela é apolínea e dionisíaca,
cativante e detestável, egoísta e
generosa, céu e inferno numa
mesma mulher. O cinema é dela,
como a literatura era de Greene.
Avaliação: (filme);
(livro)
Filme: Fim de Caso (The End of the
Affair)
Direção: Neil Jordan
Produção: EUA, 1999
Com: Julianne Moore, Ralph Fiennes
Quando: a partir de hoje, nos cines
Center Norte 1, Vitrine e circuito
Texto Anterior: Atriz indicada implorou pelo papel Próximo Texto: Cinema: "Através da Janela", janela do mundo, vai ao Sesc Índice
|