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ESTRÉIAS - "O ÚLTIMO ENTARDECER"
Hong Kong é território de desentendimentos
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
Um jornalista inglês, John (Jeremy Irons), vive há 15 anos em
Hong Kong. Considera-se um farsante por ter publicado um livro
que ensina a enriquecer no lugar e
não entender "nada" sobre Hong
Kong. Munido de um espírito ultra-romântico, quer conhecer "de
verdade" as pessoas, entrar em
suas vidas comezinhas. Daí que
sai com uma câmera de mão pelas
ruas, filma nas vielas peixes degolados mantendo a circulação sanguínea, persegue uma nativa com
uma cicatriz no rosto.
John descobre que tem leucemia e vai durar poucos meses.
Talvez dure menos do que o controle inglês sobre o território, que,
após 156 anos, está para expirar.
O diretor Wayne Wang, chinês
de Hong Kong radicado nos EUA
("Cortina de Fumaça", "O Clube
da Felicidade"), parece ter um
bom argumento nas mãos
-além de um roteirista de renome, Jean Claude-Carrière (Buñuel). Mas não é o suficiente para
fazer de "O Último Entardecer"
um filme de não se esquecer.
É nítido seu esforço em impor a
seus personagens um estranhamento completo, como se a ninguém fosse dado ser de -quanto
mais entender- Hong Kong.
É o que acontece com Vivian
(Gong Li, bela, belíssima, fulminante), uma ex-prostituta que
vem do "norte" (China) e jamais
consegue se tornar a mulher de
um "businessman" local, a quem
tem como amante e protetor.
John se apaixona por ela, mas
ela não lhe dá pelota. Apaixona-se, mas não a entende. Não entende porque Vivian não pode se tornar mulher do tal empresário,
porque ela insiste nisso, porque
ela o leva (a ele, John) para um
prostíbulo de luxo.
Também não entende Jean
(Maggie Cheung), a quem pede
um depoimento fiel sobre sua vida -ainda que lhe ofereça uma
bolada para isso- numa de suas
andanças com a handycam.
Wang pode não entender Hong
Kong, assim como não se deve
negar a ninguém o direito de nada
entender. O contrário seria uma
violência inominável. Mas Wang
deu-se por missão esquematizar
uma obra.
Wang não é um artista conceitual, não se seduz facilmente pela
metalinguagem, ainda que, aqui,
equipe seu protagonista com uma
câmera. "O Último Entardecer"
não é uma polifonia narrativa, até
pelo contrário.
O desentendimento está todo
centrado em Irons -estrangeiro
entre estrangeiros. A ele cabe estabelecer os conflitos, sejam entre
Vivian e seu protetor, sejam entre
Jean e o ex-namorado inglês, enfiado sem mais aquela na trama,
sejam entre Hong Kong e seus locais.
É uma carga excessiva, especialmente se acreditarmos no que
Irons disse ao jornal francês "Libération" há dois anos, quando o
filme estreou: "Não me dediquei a
um trabalho profundo. Estou um
pouco estereotipado. Já utilizei
muito esse registro, a paixão da
qual não se consegue escapar, que
corrói e destrói".
Avaliação:
Filme: O Último Entardecer (Chinese
Box)
Direção: Wayne Wang
Produção: França/Japão/EUA, 1997
(100 min)
Com: Jeremy Irons, Gong Li
Quando: a partir de hoje, nos cines
Iguatemi 2, SP Market 2 e circuito
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