São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2000


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ESTRÉIAS - "O ÚLTIMO ENTARDECER"
Hong Kong é território de desentendimentos

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Um jornalista inglês, John (Jeremy Irons), vive há 15 anos em Hong Kong. Considera-se um farsante por ter publicado um livro que ensina a enriquecer no lugar e não entender "nada" sobre Hong Kong. Munido de um espírito ultra-romântico, quer conhecer "de verdade" as pessoas, entrar em suas vidas comezinhas. Daí que sai com uma câmera de mão pelas ruas, filma nas vielas peixes degolados mantendo a circulação sanguínea, persegue uma nativa com uma cicatriz no rosto. John descobre que tem leucemia e vai durar poucos meses. Talvez dure menos do que o controle inglês sobre o território, que, após 156 anos, está para expirar. O diretor Wayne Wang, chinês de Hong Kong radicado nos EUA ("Cortina de Fumaça", "O Clube da Felicidade"), parece ter um bom argumento nas mãos -além de um roteirista de renome, Jean Claude-Carrière (Buñuel). Mas não é o suficiente para fazer de "O Último Entardecer" um filme de não se esquecer. É nítido seu esforço em impor a seus personagens um estranhamento completo, como se a ninguém fosse dado ser de -quanto mais entender- Hong Kong. É o que acontece com Vivian (Gong Li, bela, belíssima, fulminante), uma ex-prostituta que vem do "norte" (China) e jamais consegue se tornar a mulher de um "businessman" local, a quem tem como amante e protetor. John se apaixona por ela, mas ela não lhe dá pelota. Apaixona-se, mas não a entende. Não entende porque Vivian não pode se tornar mulher do tal empresário, porque ela insiste nisso, porque ela o leva (a ele, John) para um prostíbulo de luxo. Também não entende Jean (Maggie Cheung), a quem pede um depoimento fiel sobre sua vida -ainda que lhe ofereça uma bolada para isso- numa de suas andanças com a handycam. Wang pode não entender Hong Kong, assim como não se deve negar a ninguém o direito de nada entender. O contrário seria uma violência inominável. Mas Wang deu-se por missão esquematizar uma obra. Wang não é um artista conceitual, não se seduz facilmente pela metalinguagem, ainda que, aqui, equipe seu protagonista com uma câmera. "O Último Entardecer" não é uma polifonia narrativa, até pelo contrário. O desentendimento está todo centrado em Irons -estrangeiro entre estrangeiros. A ele cabe estabelecer os conflitos, sejam entre Vivian e seu protetor, sejam entre Jean e o ex-namorado inglês, enfiado sem mais aquela na trama, sejam entre Hong Kong e seus locais. É uma carga excessiva, especialmente se acreditarmos no que Irons disse ao jornal francês "Libération" há dois anos, quando o filme estreou: "Não me dediquei a um trabalho profundo. Estou um pouco estereotipado. Já utilizei muito esse registro, a paixão da qual não se consegue escapar, que corrói e destrói".


Avaliação:   


Filme: O Último Entardecer (Chinese Box) Direção: Wayne Wang Produção: França/Japão/EUA, 1997 (100 min) Com: Jeremy Irons, Gong Li Quando: a partir de hoje, nos cines Iguatemi 2, SP Market 2 e circuito


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