São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 2005

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"REENCARNAÇÃO"

Segundo Glazer segue sem ter o que dizer

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Considerado uma nova promessa entre os britânicos, Jonathan Glazer é hábil em criar atmosferas e definir um universo visual e sonoro fechado para desenvolver suas histórias. Essa característica se faz evidente nos dois longas que dirigiu após farta experiência em videoclipes e comerciais: a festejada releitura britânica de filmes de gângster "Sexy Beast" (2000) e, agora, o drama psicológico com tintas sobrenaturais "Reencarnação".
Enquanto "Sexy Beast" é quente e explosivo, com interpretações ruidosas de Ben Kingsley e Ray Winstone, "Reencarnação" é invernal, calmo e asséptico. Ambos guardam coerência interna, mas carecem do principal, que é basicamente um ponto de vista, ter algo a dizer. Glazer, por enquanto, provou ter domínio da técnica, mas ainda não disse a que veio. Por isso "Reencarnação" é um daqueles filmes estranhos, em que tudo funciona a contento, porém não chega a ser convincente.
O roteiro (de Glazer, Jean-Claude Carrière e Milo Addica) está amarradinho, com diálogos precisos. Os atores se entregaram aos papéis, principalmente Nicole Kidman, como Anna, e o excepcional Danny Huston, como seu noivo. A fotografia (de Harry Savides, o mesmo de "Elefante") e a música (de Alexandre Desplat, de "Moça com Brinco de Pérola") enchem olhos e ouvidos. Mas, ao fim da projeção, fica a pergunta de "Sexy Beast": "E daí?".
Como num conto fantástico de Henry James, "Reencarnação" é detalhadamente pensado para fabricar uma atmosfera gótica a partir da exploração de elementos psicológicos. No caso, a fragilidade de Anna, mulher que amava tanto o marido, Sean, que, dez anos depois da morte dele, ainda não havia superado o luto. Certo dia, quando finalmente cede ao assédio do novo pretendente e decide se casar, uma criança chamada Sean aparece na sua vida, dizendo ser a encarnação do morto.
Glazer insiste num tom excessivamente sóbrio, que deveria ajudar a dar credibilidade à história, mas acaba tornando patente a construção elaborada, o planejamento das cenas. Não por acaso, Kidman usa um corte de cabelo igual ao de Mia Farrow em "O Bebê de Rosemary". A luz, em vários momentos, lembra a de "De Olhos Bem Fechados". No entanto "Reencarnação" não chega aos pés desses filmes que evidentemente serviram de modelo.


Reencarnação
Birth
  
Produção: EUA, 2004
Direção: Jonathan Glazer
Com: Nicole Kidman, Cameron Bright
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Bristol e circuito



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