São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 2005

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"HERÓI"

Filme de Zhang Yimou usa alegorias das artes marciais para criar versão idealizada do nascimento da nação chinesa

Com poesia visual, fábula paira no ambíguo

Divulgação
Sem Nome (Jet Li) e Neve que Voa (Maggie Cheung) duelam em "Herói"; filme de Zhang Yimou bateu recordes de bilheteria na China

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

De Eisenstein a Leni Riefenstahl, o cinema como instrumento de propaganda política serviu-se do poder irracional de persuasão das imagens. Entre ilusão e realidade, sistemas à parte de qualquer julgamento. Afinal, tudo o que termina nas telas ganha status de verdade, ao menos em um universo particular.
Com "Herói", Zhang Yimou entra nesse terreno de ambigüidades, onde a arte tenta pairar sobre valores morais. Estaria a beleza/ arte perto do divino e, assim, sujeita apenas à contemplação?
Porque, nesse filme, o que desperta a atenção é a sedução das imagens, o glamour das artes marciais convertida em balé: um grande Carnaval de cores berrantes que vai terminar na realidade de uma Quarta-Feira de Cinzas (aqui, uma propaganda política de Yimou enaltecendo valores históricos chineses que continuam reverberando nessa potência econômica de ainda restritos movimentos democráticos).
"Herói" desenrola-se em tom de fábula repleta de personagens-modelo sem densidade psicológica para ilustrar o nascimento da nação chinesa, território dividido em várias regiões que lutavam entre si, no século 3 a.C. É lá onde o rei de Qing, futuro imperador da China, irá receber a visita de Sem Nome (Jet Li), guerreiro que tem intenções secretas. O motivo da audiência: afirma ter derrotado três inimigos do rei -Céu (Donnie Yen) e o casal Neve que Voa (Maggie Cheung) e Espada Quebrada (Tony Leung).
Sem Nome irá relatar como enfrentou seus oponentes, e o filme segue em estrutura de flashback; o rei vai refutar as histórias contadas e apresentará sua própria versão dos fatos, referência explícita a "Rashomon" (1950).
Mas, enquanto o filme de Akira Kurosawa investiga a amplitude da verdade e, por extensão, da mentira, Yimou crê na omissão como construção da verdade. Vê também a guerra como mero espetáculo e não como a brutalidade máxima da vida e do homem.
O rei, por exemplo, é retratado mais como um visionário incompreendido que pretende criar um grande país do que como um tirano. Seu discurso chega a ser constrangedor tamanho o didatismo da fala que justifica a guerra (palavras que parecem proferidas da boca de um George W. Bush sobre o Iraque). Quem é o "herói"?
Argumentos que, não por acaso, surgem lá a alturas tantas do filme, quando o espectador ainda está embasbacado (e desarmado) com a beleza irrepreensível das imagens de guerreiros voadores que andam sobre a água e as bem coreografadas lutas de espadas, do "frozen moment" (as "paradinhas no ar"), da fotografia e do figurino exuberante que exploram as nuances das cores da natureza.
Tal poesia visual nos remete a um mundo dos sonhos, irreal e perdido em um inconsciente coletivo -há até um coro grego. Fábulas, convém lembrar, não passam ilesas de uma intenção puramente moral -sempre está presente uma opinião a ser moldada em mentes alheias. Em "Nenhum a Menos", Yimou mostrava uma professorinha que zelava pelo bem-estar de seus alunos. Em "Herói", é como se fôssemos nós mesmos essas crianças que precisam de uma mão tutelar para nos explicar os pecados dos "adultos".


Herói
Ying Xiong
  
Direção: Zhang Yimou
Produção: China/Hong Kong, 2002
Com: Jet Li, Tony Leung, Maggie Cheung
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco, Sala UOL e circuito



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