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"HERÓI"
Filme de Zhang Yimou usa alegorias das artes marciais para criar versão idealizada do nascimento da nação chinesa
Com poesia visual, fábula paira no ambíguo
Divulgação
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Sem Nome (Jet Li) e Neve que Voa (Maggie Cheung) duelam em "Herói"; filme de Zhang Yimou bateu recordes de bilheteria na China
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
De Eisenstein a Leni Riefenstahl, o cinema como instrumento de propaganda política
serviu-se do poder irracional de
persuasão das imagens. Entre ilusão e realidade, sistemas à parte
de qualquer julgamento. Afinal,
tudo o que termina nas telas ganha status de verdade, ao menos
em um universo particular.
Com "Herói", Zhang Yimou entra nesse terreno de ambigüidades, onde a arte tenta pairar sobre
valores morais. Estaria a beleza/
arte perto do divino e, assim, sujeita apenas à contemplação?
Porque, nesse filme, o que desperta a atenção é a sedução das
imagens, o glamour das artes
marciais convertida em balé: um
grande Carnaval de cores berrantes que vai terminar na realidade
de uma Quarta-Feira de Cinzas
(aqui, uma propaganda política
de Yimou enaltecendo valores
históricos chineses que continuam reverberando nessa potência econômica de ainda restritos
movimentos democráticos).
"Herói" desenrola-se em tom
de fábula repleta de personagens-modelo sem densidade psicológica para ilustrar o nascimento da
nação chinesa, território dividido
em várias regiões que lutavam entre si, no século 3 a.C. É lá onde o
rei de Qing, futuro imperador da
China, irá receber a visita de Sem
Nome (Jet Li), guerreiro que tem
intenções secretas. O motivo da
audiência: afirma ter derrotado
três inimigos do rei -Céu (Donnie Yen) e o casal Neve que Voa
(Maggie Cheung) e Espada Quebrada (Tony Leung).
Sem Nome irá relatar como enfrentou seus oponentes, e o filme
segue em estrutura de flashback;
o rei vai refutar as histórias contadas e apresentará sua própria versão dos fatos, referência explícita
a "Rashomon" (1950).
Mas, enquanto o filme de Akira
Kurosawa investiga a amplitude
da verdade e, por extensão, da
mentira, Yimou crê na omissão
como construção da verdade. Vê
também a guerra como mero espetáculo e não como a brutalidade máxima da vida e do homem.
O rei, por exemplo, é retratado
mais como um visionário incompreendido que pretende criar um
grande país do que como um tirano. Seu discurso chega a ser constrangedor tamanho o didatismo
da fala que justifica a guerra (palavras que parecem proferidas da
boca de um George W. Bush sobre o Iraque). Quem é o "herói"?
Argumentos que, não por acaso, surgem lá a alturas tantas do
filme, quando o espectador ainda
está embasbacado (e desarmado)
com a beleza irrepreensível das
imagens de guerreiros voadores
que andam sobre a água e as bem
coreografadas lutas de espadas,
do "frozen moment" (as "paradinhas no ar"), da fotografia e do figurino exuberante que exploram
as nuances das cores da natureza.
Tal poesia visual nos remete a
um mundo dos sonhos, irreal e
perdido em um inconsciente coletivo -há até um coro grego. Fábulas, convém lembrar, não passam ilesas de uma intenção puramente moral -sempre está presente uma opinião a ser moldada
em mentes alheias. Em "Nenhum
a Menos", Yimou mostrava uma
professorinha que zelava pelo
bem-estar de seus alunos. Em
"Herói", é como se fôssemos nós
mesmos essas crianças que precisam de uma mão tutelar para nos
explicar os pecados dos "adultos".
Herói
Ying Xiong
Direção: Zhang Yimou
Produção: China/Hong Kong, 2002
Com: Jet Li, Tony Leung, Maggie Cheung
Quando: a partir de hoje nos cines
Espaço Unibanco, Sala UOL e circuito
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