|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MANUEL DA COSTA PINTO
Humanidade à deriva
Embora viva na França e escreva no idioma, Ben Jelloun é considerado um escritor marroquino
TAHAR BEN Jelloun profere segunda-feira, no Rio, a conferência "As Palavras Viajam,
os Homens Emigram", dentro da
programação do Dia Internacional
da Francofonia (celebrado no dia 20
de março). E, assim como já aconteceu em São Paulo e Florianópolis, a
presença de um norte-africano em
evento que comemora a língua francesa expõe uma contradição.
Embora viva no mesmo país e escreva no mesmo idioma de Racine,
Ben Jelloun é considerado um escritor marroquino. Ou seja, não pertence à literatura francesa, mas à
"francofonia" -termo ambíguo, que
denota inclusão (política) e demarca
diferença (étnica e literária).
Vale aqui uma comparação. Ninguém definiria Conrad como polonês "anglófono", ou Kafka como
tcheco pertencente à "germanofonia": ambos estão devidamente canonizados. Todo cânone, porém,
apresenta rachaduras. O ideal goethiano de uma "literatura mundial"
se dá sobre o terreno dos localismos
e dos acidentes biográficos.
Não custa lembrar que o autor de
"O Processo" sempre será citado como "judeu alemão" e que seria risível ignorar a tríplice exclusão que
alimenta sua literatura (Kafka era
falante de alemão entre os tchecos,
judeu entre os alemães, ateu entre
os judeus).
Ben Jelloun corresponde a um
momento pós-colonialista dessa
tensão entre um discurso literário
que tende à autonomia estética e as
necessidades objetivas que o deflagram. Restringindo o comentário
aos livros publicados no Brasil, é notável o fato de que prosa e poesia tenham peso semelhante em sua produção, marcada pelas reminiscências do Magreb e pelos traumas políticos da África mediterrânea.
Nos poemas de "As Cicatrizes do
Atlas" (Editora UnB), ele adota um
tom panfletário: "Tu que não sabes
escrever/ que teu corpo e teu sangue
me contem a história do país (...) Eu
falarei a língua do campo e da terra/
para entrar na multidão que se rebela". Tal ímpeto se dissolve, porém,
na bela seqüência sobre Fez, cidade
natal que materializa uma realidade
opaca, refratária ao didatismo revolucionário: "Cada casa é uma fábula/
Ilegível/ Uma porta para o obscuro".
É nos romances que se compreende o modo como ele se insere na
francofonia. Em "Os Frutos da Dor"
(Record), o drama familiar narrado
por uma jovem muçulmana é catalisado pela vivência dos imigrantes
argelinos na França, essa "humanidade à deriva" que usa a língua do
colonizador para, como Ben Jelloun, buscar uma identidade.
A identidade ideal do escritor, porém, são as iluminações que nascem
da metamorfose da experiência.
Nesse sentido, o romance "O Último
Amigo" (Bertrand Brasil) -uma trágica amizade contada de dois pontos
de vista diferentes- e os contos ironicamente eróticos de "O Primeiro
Amor É Sempre o Último" (Vieira &
Lent) são livros em que Ben Jelloun
consegue ir mais além do discurso
sobre as minorias.
AS PALAVRAS VIAJAM, OS HOMENS EMIGRAM
Quando: seg., às 18h30, no teatro da Maison de
France (av. Presidente Antonio Carlos, 58, Rio de
Janeiro, tel. 0/xx/21/2544-2533)
Quanto: entrada franca
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Waters toca hoje para 45 mil no Morumbi Índice
|