São Paulo, sábado, 24 de março de 2007

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MANUEL DA COSTA PINTO

Humanidade à deriva

Embora viva na França e escreva no idioma, Ben Jelloun é considerado um escritor marroquino

TAHAR BEN Jelloun profere segunda-feira, no Rio, a conferência "As Palavras Viajam, os Homens Emigram", dentro da programação do Dia Internacional da Francofonia (celebrado no dia 20 de março). E, assim como já aconteceu em São Paulo e Florianópolis, a presença de um norte-africano em evento que comemora a língua francesa expõe uma contradição.
Embora viva no mesmo país e escreva no mesmo idioma de Racine, Ben Jelloun é considerado um escritor marroquino. Ou seja, não pertence à literatura francesa, mas à "francofonia" -termo ambíguo, que denota inclusão (política) e demarca diferença (étnica e literária). Vale aqui uma comparação. Ninguém definiria Conrad como polonês "anglófono", ou Kafka como
tcheco pertencente à "germanofonia": ambos estão devidamente canonizados. Todo cânone, porém, apresenta rachaduras. O ideal goethiano de uma "literatura mundial" se dá sobre o terreno dos localismos e dos acidentes biográficos.
Não custa lembrar que o autor de "O Processo" sempre será citado como "judeu alemão" e que seria risível ignorar a tríplice exclusão que alimenta sua literatura (Kafka era falante de alemão entre os tchecos, judeu entre os alemães, ateu entre os judeus).
Ben Jelloun corresponde a um momento pós-colonialista dessa tensão entre um discurso literário que tende à autonomia estética e as necessidades objetivas que o deflagram. Restringindo o comentário aos livros publicados no Brasil, é notável o fato de que prosa e poesia tenham peso semelhante em sua produção, marcada pelas reminiscências do Magreb e pelos traumas políticos da África mediterrânea.
Nos poemas de "As Cicatrizes do Atlas" (Editora UnB), ele adota um tom panfletário: "Tu que não sabes escrever/ que teu corpo e teu sangue me contem a história do país (...) Eu falarei a língua do campo e da terra/ para entrar na multidão que se rebela". Tal ímpeto se dissolve, porém, na bela seqüência sobre Fez, cidade natal que materializa uma realidade opaca, refratária ao didatismo revolucionário: "Cada casa é uma fábula/ Ilegível/ Uma porta para o obscuro".
É nos romances que se compreende o modo como ele se insere na francofonia. Em "Os Frutos da Dor" (Record), o drama familiar narrado por uma jovem muçulmana é catalisado pela vivência dos imigrantes argelinos na França, essa "humanidade à deriva" que usa a língua do colonizador para, como Ben Jelloun, buscar uma identidade.
A identidade ideal do escritor, porém, são as iluminações que nascem da metamorfose da experiência.
Nesse sentido, o romance "O Último Amigo" (Bertrand Brasil) -uma trágica amizade contada de dois pontos de vista diferentes- e os contos ironicamente eróticos de "O Primeiro Amor É Sempre o Último" (Vieira & Lent) são livros em que Ben Jelloun consegue ir mais além do discurso sobre as minorias.


AS PALAVRAS VIAJAM, OS HOMENS EMIGRAM
Quando:
seg., às 18h30, no teatro da Maison de France (av. Presidente Antonio Carlos, 58, Rio de Janeiro, tel. 0/xx/21/2544-2533)
Quanto: entrada franca


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