São Paulo, sábado, 24 de março de 2007

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Crítica/romance

Patricia Highsmith tece história frouxa

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O leitor fecha a maior parte dos livros de Highsmith com o sentimento de que o mundo é mais perigoso do que ele pensava." Atribuída ao "The New York Times Book Review", a frase, que está estampada na contracapa da edição brasileira de "Um Jogo para os Vivos", perde boa parte de seu impacto em um planeta tão cheio de guerras, bombas, massacres e assassinatos brutais de crianças.
Mas talvez seja possível pensar que o leitor termine muitos livros de Patricia Highsmith assustado com o estado de aflição a que pode ser levado pela narrativa ou admirado, pelo contrário, com a "sensibilidade para a inércia" da autora (para usar uma idéia de um de seus grandes admiradores, o filósofo esloveno Slavoj Zizek), em como ela inseriu no romance policial a "lenta passagem do tempo morto".
Certamente, contudo, esse não é o caso de "Um Jogo para os Vivos", uma "história de detetive" bem mais tradicional, na qual estão distantes as ambigüidades morais, a graça e a tensão sexual presentes nos livros da série Ripley (do qual o melhor é mesmo o primeiro, "O Talentoso Ripley", publicado entre nós pela Companhia das Letras, assim como os outros quatro: "Ripley Subterrâneo", "O Jogo de Ripley", "Ripley Debaixo d'Água" e "O Garoto que Seguiu Ripley").
Ambientado no México, o volume agora lançado acompanha as investigações do milionário artista plástico alemão Theodore para descobrir a identidade do assassino de sua amante, Lelia.
Ao mesmo tempo, ele busca provar para seu melhor amigo e também amante da moça, Ramon -um católico fervoroso que, consumido pela culpa, chega a confessar o crime-, os equívocos de suas memórias da noite fatal.
Uma das marcas registradas da autora, o jogo de aproximações e afastamentos entre dois homens, reaparece nessa história. E, ainda que, nessa versão, ele se concretize pela "divisão amistosa" da mesma mulher e, posteriormente, pelas ligações de um passado amoroso comum -algo não muito freqüente no que tange a uma história policial-, todo o resto é bem frouxo, do aparecimento de provas à descoberta do verdadeiro criminoso -sem contar que a relação colaborativa que Theodore estabelece com o delegado designado para apurar o caso chega, às vezes, às raias do ridículo.
Norte-americana que escolheu viver na Europa boa parte de sua vida, Patricia Highsmith (1921-1995) foi uma escritora de mão cheia.
Em "Um Jogo para os Vivos", no entanto, ela estava longe de seus melhores dias, e aí o leitor fica com a impressão que está lendo uma reles sub-Agatha Christie...


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

UM JOGO PARA OS VIVOS
Autor:
Patricia Highsmith
Tradução: Thelma Médici Nóbrega
Editora: L&PM
Quanto: R$ 34 (248 págs.)
Avaliação: ruim
Leia o primeiro capítulo


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