|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
11 dias em 73 anos
especial para a Folha
Para alguns,
pode soar estranho um escritor do porte
de Carlos Heitor Cony fazer
um livro a pedido de seu
editor, Luiz
Schwarcz, da
Companhia
das Letras. A editora queria uma
novidade de um dos autores que
mais vendem de seu repertório para apresentar na 9ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro e
no Salão Internacional do Livro de
São Paulo.
Para muitos, o ofício de escrever
é um dom de marginais românticos, doentes e desesperados, que
com palavras compilam sonhos e
pesadelos destrutivos. A vocação
divina deve aflorar quando o poeta
está no limite de sua inspiração.
Até parece... A maioria dos escritores trabalha com um olho na escrita e outro no mercado. E por
que deveria ser diferente?
"Dublinenses", de James Joyce, é
o resultado de uma encomenda de
seu editor, George Russel, que queria um livro simples, curto, comum, para ampliar o leitorado do
autor de "Ulisses".
Shakespeare, Dostoiévski e Balzac são alguns autores que escreveram sob encomenda, com prazos
torturantes.
Espanto dois: dá para escrever
um livro em alguns dias? Kerouac
escreveu "Pé na Estrada" em um
mês. Cony escreveu "Romance
sem Palavras" em 11 dias. Levou 11
dias e 73 anos de vida para compor
a história.
"Escrevo rápido. Termino logo
para ficar livre do livro. Não fico
castigando o estilo. Não sou como
Flaubert, que ficava revirando,
procurando a palavra justa. Glauber escreveu cenas de "Terra em
Transe" num papel higiênico, enquanto estava preso comigo. Callado também escreveu trechos de
"Quarup" na prisão. A idade e a experiência ajudam a traduzir o que
quero dizer. Saiu fácil por causa do
tema", conta Cony.
O tema, a rotina de militantes políticos dos anos 70, já foi explorado
por outros escritores, biógrafos,
jornalistas, testemunhas, militares
e acadêmicos. O desânimo, a falta
de sentido, a casualidade e o desencanto são peculiares. São os
componentes constantes da obra
de Cony em mais um Cony.
Irene, a personagem, não se chama Irene, e ninguém sabe seu nome verdadeiro. Leva dois homens
de histórias diferentes à mesma
militância e a se encontrarem, futuramente, na mesma cela de prisão. Beto cuida de Jorge Marcos,
muito torturado. Jorge Marcos fica
em dívida com Beto. E, como se
não bastasse, leva a mulher de Beto, Irene. Mas Irene, Jorge Marcos
desconfia, ainda ama Beto. Que
trama...
Sem perder tempo com o estilo,
procurando, em capítulos curtos,
prender a atenção do leitor, Cony
costura uma leitura amargurada
sobre a época das opções, que deu
na era dos faturamentos.
O contraste entre a militância, no
passado, e conformismo dos novos
tempos é o espelho das relações.
Ou talvez o conformismo de hoje
seja fruto, a imagem invertida, de
uma militância sem fundamento.
Uma história triste essa, a brasileira.
(MRP)
Avaliação:
Livro: Romance sem Palavras
Autor: Carlos Heitor Cony
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 17 (136 págs.)
Texto Anterior: Escritor está na Bienal Próximo Texto: Resenha da semana: O bolor do amor Índice
|