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ESCRITORA REVÊ PROCESSO QUE FEZ DE SUA OBRA UMA MERCADORIA
Naomi Klein ®
Colin McPherson
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FETICHE LATINO Vivendo em Buenos Aires há seis meses, a jornalista e ativista canadense Naomi Klein (acima) filma um documentário sobre as revoltas populares que explodiram em dezembro de 2001; à direita, morte de manifestante, que provocou uma nova onda de protestos antes da convocação das eleições em 2002
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Está vendo essa carinha bonitinha aí ao lado? Pois ela é de Naomi Klein, 33, jornalista canadense
que passou para o outro lado, o
do ativismo social, em 1999 e virou celebridade da noite para o
dia com a publicação do libelo anticorporativismo "Sem Logo".
Mais de meio milhão de cópias,
dois fóruns de Porto Alegre, um
atentado aos Estados Unidos e
uma guerra ao Iraque depois,
Naomi Klein volta às prateleiras
com "Cercas e Janelas", conjunto
de ensaios, discursos e artigos publicados em sua maioria no "The
Globe and Mail", em que a ativista
mais visada do mundo mantém
uma coluna semanal.
De lá para cá, jura de pé junto,
nada de comer no McDonalds:
"Tem muita gente que usaria isso como desculpa para me desacreditar. O [diário canadense]
"National Post" tinha até uma coluna chamada "Klein Watch" [de
olho em Klein] só para me pegar".
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por ela à Folha, de
Buenos Aires, onde roda um documentário sobre fábricas ocupadas para a TV canadense.
Folha - Ao mesmo tempo em que
briga contra as marcas, seu nome
parece ter se tornado uma. Como
você lida com essas contradições?
Você usa tênis Nike, bebe Coca?
Naomi Klein - (pensa, ri) Não,
não. Mas tenho várias outras contradições, toda a minha vida é
uma contradição. O fato de os
meus livros serem publicados por
uma grande corporação. Eu acredito numa relação próxima com o
mundo real, mas o mundo real é
corporativo. Não sei o que dizer
sobre isso. A verdade é que eu não
faço, mas também acredito que
isso seja completamente sem importância. Seria muito fácil para
as pessoas usarem isso contra
mim. Só tento não dar munição.
Folha - Em "Sem Logo" você diz
que há marcas "menos piores" que
outras. Ainda acha isso?
Klein - Eu escrevi aquilo quando
tinha 28 anos. Não acredito que
"Sem Logo" seja um manifesto
para um movimento, muito menos para mim. Eu avancei em
muitas análises daquele livro. O
que eu dizia [de companhias como o McDonalds, a Nike etc.] é
que existem companhias que são
apenas janelas, símbolos muito
arraigados na nossa cultura pop.
Já outras como a Dell Chemical,
a Cargil ou a Monsanto não querem que ninguém saiba nem o seu
nome. As piores corporações vendem para as outras, não vendem
para o público direto, não têm
uma loja que você possa boicotar.
Se você for a uma escola falar com
garotos de 13 anos sobre o Fundo
Monetário Internacional elas vão
ficar de saco cheio. Mas, se falar
de sua própria cultura, que é a Nike, a Coca-Cola, o McDonalds você terá a sua atenção.
Folha - Qual a importância de
"Sem Logo" para os movimentos
anti-capitalismo de hoje?
Klein - Não acho que seja um
texto atemporal. Sempre o vi como uma ponte para uma cultura
de massas totalmente apolítica na
esperança de ver um engajamento maior. Uma vez cruzada esta
ponte, haverá livros muito melhores para ler. Eles não estão lendo
"Sem Logo" dentro dos círculos
anarquistas do movimento, eles
lêem Bakunin, Debord. E a outra
parte, a massa, está lendo Noam
Chomsky, Eduardo Galeano...
Folha - Em "Cercas e Janelas",
num capítulo sobre os zapatistas,
você cita a fetichização dos movimentos sociais da América Latina
pelos ativistas do hemisfério norte.
Acha que isso ocorreu com Lula?
Klein - Não é só o Norte que fetichiza o Lula, vocês também. Mas
a atração tem muito mais a ver
com o fato de que, antes de Lula
chegar ao poder na esfera nacional, o PT havia conquistado as
municipalidades. As cidades viraram focos de resistência e essa
idéia começou a se espalhar por
algumas cidades da Itália e agora
no Canadá está havendo uma renovação do interesse em políticas
municipais. Portanto, não é um
fetiche à moda antiga, como
aquela bobagem de Chávez e Castro, é uma troca de experiências
sobre o que funcionou e o que não
funcionou.
Folha - E algumas promessas de
campanha não têm funcionado...
Klein - É o "fenômeno do clone",
como diz o Galeano, em que você
elege um mas é o outro quem governa e faz coisas opostas do que
disse durante a campanha. Essa
foi a minha decepção com Lula. A
mudança só acontecerá se houver
segmentos sociais fortes que estabeleçam um tipo de contrato durante a campanha, menos baseado em líderes e mais em idéias.
Basicamente um sistema que remova a fé da equação. Hoje elegemos pessoas por quatro ou cinco
anos e, depois, simplesmente ficamos esperando o melhor.
Folha - Acha que foi essa mesma
mentalidade que permitiu a eleição de Kirchner na Argentina?
Klein - Acho que todos aqui estão um pouco frustrados. Kirchner não é um messias para ninguém. Nos ciclos políticos, os momentos de otimismo são importantes, mas é importante alterná-los com momentos de realismo,
de estratégia e de praticidade. E o
que os movimentos sociais argentinos precisam aprender agora é
como não ficar esperando que alguém conserte tudo para você.
CERCAS E JANELAS. Autor: Naomi Klein.
Editora: Record. Preço: R$ 28 (252 págs.)
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