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ANÁLISE
Canadense resume raízes reacionárias do antiglobalismo
Klein faz remix de velhas obsessões
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS
Os fundadores do
marxismo e de tudo
aquilo que, até hoje, constitui grosso modo a "esquerda" não entendiam
muito de economia, mas,
colocando os fatores de
ordem material ostensivamente no centro de suas
preocupações, imitavam
os economistas de verdade, da mesma maneira como os homeopatas fazem
de conta que praticam a
medicina.
Com isso, pelos menos
admitiam que há uma realidade pragmática, incontornável,
na qual pessoas reais têm necessidades como comer, vestir-se, morar em algum lugar etc. e, portanto, precisam em conjunto produzir tanto ou mais do que consomem.
Seus sucessores, porém, tão logo chegaram ao poder, esqueceram ou fizeram o possível para ignorar esses fatos elementares e os
resultados, da União Soviética à
China, de Cuba ao Camboja, são
conhecidos.
Se o anticapitalismo militante
era antigamente capitaneado pelos repetentes da faculdade de
economia, há uns bons 50 anos
ele começou a ser apropriado pelos matadores de aula dos cursos,
primeiro, de sociologia, em seguida, de letras e artes plásticas e, finalmente, de filosofia.
Discurso
O resultado é que as poucas coisas a respeito das quais a velha esquerda não se havia equivocado,
ou seja, a primazia do material e a
importância das forças produtivas, foi inteiramente perdido de
vista pela nova esquerda que, em
seu lugar, dedicou sua atenção ao
"discurso" (do poder, do capital,
das corporações, da mídia) e, com
a desculpa de analisá-lo, aliás,
"desmascará-lo", vem multiplicando exponencialmente o seu
próprio.
Nada do que a canadense Naomi Klein diz, seja em seu "Sem Logo", seja na revista americana
"Nation" e no jornal inglês "The
Guardian", não foi dito antes e, se
não de modo mais convincente,
seguramente com um estilo melhor.
Remix
O que se pode, generosamente,
chamar de seu pensamento é um
remix de certas obsessões da Escola de Frankfurt, particularmente na sua encarnação mais degradada, Herbert Marcuse, e do linguajar (mas, para sua sorte, não
da sintaxe) de uma sucessão de
acadêmicos franceses que vai de
Foucault a Baudrillard, tudo isso
ancorado num temário tipicamente norte-americano e, em
parte, europeu ocidental (feminismo, minorias, multinacionais,
ecologia, terceiromundismo, antiamericanismo, anticonsumismo), sustentado pela fé nas virtudes e no eventual poder de instituições e movimentos alternativos e embrulhado nos preceitos
da correção política.
Naomi Klein tem, desta maneira, se mais nada, o mérito de resumir em si mesma o antiglobalismo do qual é uma das porta-vozes, pois a inversão (ou talvez incompreensão) de causa e efeito
que se evidencia na sua relação de
amor e ódio com as marcas de
produtos aponta para as raízes
mais sombrias desse movimento.
Estas se encontram na vertente
irracionalista, reacionária e tecnófoba do romantismo europeu
que, não acidentalmente, gerou
outrora o fascismo e agora leva
objetivamente os beneficiários
mimados e improdutivos do progresso ocidental a se aliarem ao
fundamentalismo islâmico.
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