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BIENAL DO LIVRO
"Correspondência com Seu Tradutor Italiano", de 1972, é reeditado
Cartas são exegese da obra de Guimarães Rosa
Reprodução
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O escritor Guimarães Rosa, que tem missivas lançadas em livro |
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
"Tomo a bênção,
Mestre Guima."
Foi com essa frase que o
professor italiano Edoardo Bizzarri se dirigiu ao escritor brasileiro João Guimarães Rosa (1908-1967), quando viu concluída sua
tradução de "Corpo de Baile" para a editora Feltrinelli. O livro foi
publicado na Itália em 1964, num
único volume, com o título de
"Corpo di Ballo".
A referência ao único volume é
pertinente, já que, no Brasil e em
outros países, a obra começava a
ser repartida em três tomos. Bizzarri não só a traduziu inteira, como a traduziu em parcos sete meses. Quem conhece a complexidade linguística de "Corpo de Baile",
sabe o feito que foi.
Para fazer frente aos inúmeros
desafios, Bizzarri manteve correspondência contínua com Guimarães Rosa. Cinco anos após a morte do escritor, as cartas transformaram-se neste livro, relançado
nos anos 80 e há tempos esgotado.
Pode-se dizer que, tirantes aspectos menores, elas representam
tanto a história de uma tradução
quanto a exegese de uma obra de
acordo com seu próprio autor.
O primeiro aspecto, o da história, principia antes mesmo da correspondência, quando se dá o
único encontro entre Bizzarri e
Guimarães Rosa, "numa noite de
1957", no nš 51 da rua General Jardim, em São Paulo. O mineiro está ali para receber um prêmio e o
italiano faz parte do júri.
Dois anos depois, Bizzarri pede
permissão para traduzir um dos
contos de "Sagarana" para um periódico ítalo-brasileiro. Guimarães Rosa não poupa elogios a esse trabalho e, mais tarde conhecendo a tradução de "Vidas Secas" feita pelo italiano (que já trasladara Melville, Henry James e
Faulkner ao idioma de Dante),
propõe seu nome à Feltrinelli para
a versão de "Corpo de Baile".
As cartas abrangem o período
de pré-tradução, o trabalho da
versão propriamente dita e a fase
posterior, quando Guimarães sugere que Bizzarri se ocupe também de "Grande Sertão: Veredas"
(que o italiano posteriormente
traduz). Chegando até um mês
antes da morte do romancista, em
1967, elas mostram particularidades biográficas, como a zanga do
italiano com a Feltrinelli, que lhe
pedira um teste de tradução, ou a
preocupação do mineiro com o
discurso de posse na Academia
Brasileira de Letras.
Mas é do estágio da tradução
que emerge o segundo aspecto
importante da correspondência: a
interpretação que o escritor oferece não apenas de "Corpo de Baile", como de toda sua obra. Quando Bizzarri pede guarida ao romancista em sua "luta com o concreto, o exótico, o termo em seu
sentido material e na sua ligação
etimológica", Guimarães Rosa lhe
presta um auxílio mais que generoso.
Em longas listas, o mineiro resolve dúvidas acerca de costumes,
de nomes da fauna e da flora (sua
descrição das veredas como oásis
é magistral), discorre sobre locais,
ditados, esclarece neologismos e
palavras de base onomatopaica e,
de quebra, revela qual é a melhor
cachaça (a Januária). Como expressa Bizzarri, a ajuda representa
"grande valor de orientação poética, ainda mais que lexical".
Mas Guimarães vai além. Explica as alusões dantescas e apocalípticas de "Dão-Lalalão" e fala
das correspondências astrológicas em "O Recado do Morro".
Medita sobre o "trabalho quase
mediúnico" em que redigiu suas
obras, rejeitando a "megera cartesiana" para se alinhar ao "Tao",
aos "Vedas" e "Upanixades", aos
Evangelistas e a Bergson. Segundo o autor, em ordem crescente
de importância, em seus livros
classificam-se: o cenário e a realidade sertaneja, o enredo, a poesia
e o valor metafísico-religioso.
O "dialogar profundo e estimulante" com Bizzarri surtiu efeito.
Chamada de "veramente miracolosa" pela imprensa italiana, a tradução ganhou elogios até de Ungaretti. Mestre Guima também se
entusiasmou, observando que
"quem quiser realmente ler e entender Guimarães Rosa, depois,
terá de ir às edições italianas". Ou
então, quem não dispõe delas,
sempre pode recorrer a essa "Correspondência".
Correspondência com Seu Tradutor Italiano, Edoardo Bizzarri
Autor: João Guimarães Rosa
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 35 (208 págs.)
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