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"Babel" explora a ausência de diálogo
Novo filme do diretor Alejandro Iñárritu, de "21 Gramas", cruza trajetórias de personagens aparentemente inconciliáveis
Em uma estréia caótica e muito concorrida, cineasta mexicano apresenta seu terceiro longa, que disputa a Palma de Ouro em Cannes
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
Foi tão triunfante quanto
caótica a estréia de "Babel", terceiro longa do cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, na disputa pela Palma de
Ouro no Festival de Cannes.
A primeira sessão, às 8h30,
para a imprensa, chegou a ser
suspensa por sete minutos. A
tela ficou apagada e as luzes do
Palácio do Festival foram acesas até que se contornasse o erro -a repetição de um rolo de
cenas já exibidas, quando começaria a terceira metade do
filme, de 142 minutos.
Depois da projeção, Iñárritu
foi recebido com uma calorosa
salva de palmas na sala onde
centenas de jornalistas aguardavam para entrevistá-lo.
Antes de dar a palavra ao diretor, o moderador da mesa leu
um bilhete enviado ao festival
por Brad Pitt, protagonista do
filme. Pitt atribuiu sua ausência à perspectiva da "iminente
chegada de um novo membro à
família" [seu filho com Angelina Jolie]. Ele saudou cineasta,
elenco e festival e se disse gratificado por ser parte do projeto.
Terminada a entrevista, o diretor teve dificuldade para sair
do local. Foi cercado por uma
dezena de jornalistas inconformados de não terem outra
chance de fazer perguntas ao
autor de uma obra farta em
questões a discutir.
Fragmentação
"Babel", como os filmes anteriores do diretor, "Amores Brutos" (2000) e "21 Gramas"
(2003), cruza trajetórias de
personagens aparentemente
inconciliáveis. É como ver uma
versão filmada da tese dos "seis
graus de separação". Desta vez,
porém, Iñárritu usou uma narrativa menos fragmentada. "A
história já era complicada demais para mais fragmentação."
Eis a trama: o norte-americano Richard (Pitt, enfeado e envelhecido) leva a mulher, Susan
(Cate Blanchett), para uma viagem a dois pelo Marrocos. O casal acaba de perder o terceiro filho, ainda bebê. As duas crianças ficam em casa com Amelia
(Adriana Barraza), imigrante
ilegal mexicana e babá dos garotos desde seu nascimento.
Numa estrada marroquina,
Susan é atingida por um disparo feito irrefletidamente por
um menino local, com um rifle
presenteado por um caçador
japonês. O incidente acende o
alerta internacional de terrorismo e coloca a polícia japonesa em contato com Chieko
(Rinko Kikuchi).
Filha do proprietário da arma, Chieko tenta contornar a
barreira de sua surdez e ter
comportamento igual ao dos
jovens de sua idade, mas fracassa em suas investidas sociais e
sexuais.
Enquanto Richard tenta salvar a vida de Susan no Marrocos, Amelia vai ao casamento
de seu filho, no México, levando os filhos do casal de carona
com seu sobrinho Santiago
(Gael García Bernal). Na volta
para os EUA, um desentendimento entre Santiago e a polícia de fronteira coloca a vida
dos garotos em perigo.
Assim contado, "Babel" parece materializar o pior pesadelo
de um americano: Richard vê a
mulher ser atacada num país de
língua árabe e não consegue
proteger os filhos de seqüestro
por um imigrante latino.
Mas não é assim que Iñárritu
encara sua própria história.
Embora o diretor admita que
seu filme contenha uma crítica
"a nações e instituições como a
polícia", ele diz que "não se trata de americanos contra mexicanos contra islâmicos". Bem
ao contrário: "Esse é um filme
sobre o que nos une, não sobre
o que nos separa", afirma.
Para Iñárritu, "não importa o
país, a idade ou a classe social, o
que faz uma pessoa feliz é diferente para cada uma, mas o que
nos faz tristes e miseráveis é a
mesma coisa -a incapacidade
de se expressar e se comunicar
com o outro". Em "Babel", todos os personagens compartem
essa mesma miséria.
"Não faço filmes para dar lições e não queria que neste longa houvesse a divisão entre os
bons e os maus", disse Iñárritu.
Sobre as chances de que esse
seu amálgama vença a Palma
de Ouro, afirmou: "Procuro ter
sempre pouca expectativa e
muita serenidade".
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