São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 2006

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"Babel" explora a ausência de diálogo

Novo filme do diretor Alejandro Iñárritu, de "21 Gramas", cruza trajetórias de personagens aparentemente inconciliáveis

Em uma estréia caótica e muito concorrida, cineasta mexicano apresenta seu terceiro longa, que disputa a Palma de Ouro em Cannes

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Foi tão triunfante quanto caótica a estréia de "Babel", terceiro longa do cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, na disputa pela Palma de Ouro no Festival de Cannes.
A primeira sessão, às 8h30, para a imprensa, chegou a ser suspensa por sete minutos. A tela ficou apagada e as luzes do Palácio do Festival foram acesas até que se contornasse o erro -a repetição de um rolo de cenas já exibidas, quando começaria a terceira metade do filme, de 142 minutos.
Depois da projeção, Iñárritu foi recebido com uma calorosa salva de palmas na sala onde centenas de jornalistas aguardavam para entrevistá-lo.
Antes de dar a palavra ao diretor, o moderador da mesa leu um bilhete enviado ao festival por Brad Pitt, protagonista do filme. Pitt atribuiu sua ausência à perspectiva da "iminente chegada de um novo membro à família" [seu filho com Angelina Jolie]. Ele saudou cineasta, elenco e festival e se disse gratificado por ser parte do projeto.
Terminada a entrevista, o diretor teve dificuldade para sair do local. Foi cercado por uma dezena de jornalistas inconformados de não terem outra chance de fazer perguntas ao autor de uma obra farta em questões a discutir.

Fragmentação
"Babel", como os filmes anteriores do diretor, "Amores Brutos" (2000) e "21 Gramas" (2003), cruza trajetórias de personagens aparentemente inconciliáveis. É como ver uma versão filmada da tese dos "seis graus de separação". Desta vez, porém, Iñárritu usou uma narrativa menos fragmentada. "A história já era complicada demais para mais fragmentação."
Eis a trama: o norte-americano Richard (Pitt, enfeado e envelhecido) leva a mulher, Susan (Cate Blanchett), para uma viagem a dois pelo Marrocos. O casal acaba de perder o terceiro filho, ainda bebê. As duas crianças ficam em casa com Amelia (Adriana Barraza), imigrante ilegal mexicana e babá dos garotos desde seu nascimento.
Numa estrada marroquina, Susan é atingida por um disparo feito irrefletidamente por um menino local, com um rifle presenteado por um caçador japonês. O incidente acende o alerta internacional de terrorismo e coloca a polícia japonesa em contato com Chieko (Rinko Kikuchi).
Filha do proprietário da arma, Chieko tenta contornar a barreira de sua surdez e ter comportamento igual ao dos jovens de sua idade, mas fracassa em suas investidas sociais e sexuais.
Enquanto Richard tenta salvar a vida de Susan no Marrocos, Amelia vai ao casamento de seu filho, no México, levando os filhos do casal de carona com seu sobrinho Santiago (Gael García Bernal). Na volta para os EUA, um desentendimento entre Santiago e a polícia de fronteira coloca a vida dos garotos em perigo.
Assim contado, "Babel" parece materializar o pior pesadelo de um americano: Richard vê a mulher ser atacada num país de língua árabe e não consegue proteger os filhos de seqüestro por um imigrante latino.
Mas não é assim que Iñárritu encara sua própria história. Embora o diretor admita que seu filme contenha uma crítica "a nações e instituições como a polícia", ele diz que "não se trata de americanos contra mexicanos contra islâmicos". Bem ao contrário: "Esse é um filme sobre o que nos une, não sobre o que nos separa", afirma.
Para Iñárritu, "não importa o país, a idade ou a classe social, o que faz uma pessoa feliz é diferente para cada uma, mas o que nos faz tristes e miseráveis é a mesma coisa -a incapacidade de se expressar e se comunicar com o outro". Em "Babel", todos os personagens compartem essa mesma miséria.
"Não faço filmes para dar lições e não queria que neste longa houvesse a divisão entre os bons e os maus", disse Iñárritu. Sobre as chances de que esse seu amálgama vença a Palma de Ouro, afirmou: "Procuro ter sempre pouca expectativa e muita serenidade".


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