São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 2006

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Crítica

Histórias encenam as fronteiras de todos nós

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

"Babel" começa com um tiro acidental, como o filme anterior do roteirista Guillermo Arriaga, "Três Enterros", dirigido por Tommy Lee Jones. Filho de um pastor de cabras no Marrocos, um jovem mostra ao irmão mais velho como se atira e acaba atingindo uma turista americana num ônibus. Como em "Amores Brutos" e "21 Gramas", também escritos por Arriaga, acasos fazem girar o mundo dramático do mexicano Alejandro González Iñárritu.
Amplia-se agora o tabuleiro, tornado global. Marrocos, Japão, a fronteira EUA-México. Três histórias se desenvolvem e se interseccionam num pequeno mosaico à moda Robert Altman ("Nashville"). A fragmentação narrativa é algo menor. A palheta estilística da composição das imagens, mais ampla.
Brad Pitt e Cate Blanchett saem em férias para o Marrocos, deixando em casa os dois filhos com a empregada chicana. É Blanchett quem leva o tiro, agonizando longe de qualquer hospital. As crianças são levadas improvisadamente ao México pela criada, para o casamento do filho dela. Na volta, um incidente na fronteira os isola em perigo no deserto.
No Japão, o suicídio de uma mulher perturba a relação entre o viúvo e a filha surda-muda. O rifle usado no incidente marroquino se revela dele, presenteado ao pastor que fora seu guia numa viagem.
Como anuncia o título bíblico, "Babel" é uma fábula sobre a incomunicabilidade. Na versão de Iñárruti e Arriaga, a desconexão entre familiares se sobrepõe às diferenças de língua, costumes e culturas. As fronteiras estão antes dentro de nós.
O maior vácuo se encontra nas relações entre pais e filhos. Brad Pitt o encena numa conversa telefônica que representa o ápice de sua carreira no cinema. Harmonia e contenção são a chave da sinfonia de atores, célebres e amadores, mais uma vez alcançada por Iñárritu.
"Volver", de Almodóvar, tem concorrente à Palma de Ouro. Cannes pode prolongar a dívida com ele ou assumir uma com Iñárruti. Mas ninguém parece capaz de roubar de "Babel" o título de filme do ano de Cannes.


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