UOL


São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Redemocratização de verbas na BR se faz necessária

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos últimos dias a opinião pública tem sido assolada com lamúrias de grupos que se sentem prejudicados com as novas políticas -mais democráticas- das empresas estatais sobre patrocínios culturais. Não posso ouvir calado que o grupo privilegiado pela gestão anterior da BR Distribuidora diga agora que não dá para se enquadrar à nova realidade e que não dá para produzir um festival de cinema na cidade do Rio de Janeiro com "apenas" R$ 2,4 milhões.
A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que existe há 27 anos e que mudou de nome (para Mostra BR de Cinema -°Mostra Internacional de Cinema em São Paulo), por força de um contrato de três anos com a mesma gestão anterior da BR Distribuidora, contrato que ainda vale para 2003, deve fazer um festival por muito menos (R$ 1,6 milhões, reajustáveis para R$ 1.881.000) e o faz bem, embora com sacrifícios que nunca chegaram à opinião pública.
Devo lembrar que o orçamento ideal da Mostra Internacional de Cinema beira os R$ 3,3 milhões (que nunca é alcançado) e que também estamos enfrentando problemas inesperados com a comissão da Lei Rouanet para autorizar mais captações com o objetivo de somar mais co-patrocínios e apoios.
Não posso ouvir calado porque a gestão anterior da BR Distribuidora privilegiava apenas um grupo do Rio de Janeiro com uma derrama descabida de dinheiro.
Não posso ouvir sem manifestar a minha indignação que o mesmo Festival do Rio tenha recebido por três anos passados somas anuais como R$ 4 milhões e mais R$ 2 milhões para gastar em publicidade (reveladas no jornal "O Globo" de 16/6/03), o que legitima mais do que nunca as minhas reclamações em relação à gestão anterior da BR Distribuidora de querer transformar a Mostra de São Paulo, um dos mais tradicionais eventos culturais e formadores de opinião do país, em "primo pobre dos festivais".

Contrapartidas
Resistimos inconformados (mas não calados) e como pudemos até hoje, para o bem do evento, e não cuspimos no prato em que comeu o nosso público. Que ficamos indignados nos bastidores da BR Distribuidora e tivemos vários embates com a sua gestão anterior, isso tivemos. Pedimos-lhe contrapartidas de publicidade na Mostra de São Paulo por dois anos seguidos e nos foi dito que não havia verba alocada para o evento de São Paulo.
Tamanha desconsideração que agora se prova com a revelação de uma verba extra para o Festival do Rio fartamente esbanjada com a ajuda de agências que sabem bem como fazer publicidade com dinheiro público.
E pedimos outras contrapartidas que não evoluíram. Só agora sabemos pelos jornais como se aplicava esse dinheiro público. Pedimos à mesma diretoria anterior da BR Distribuidora uma contrapartida também para a reforma de um cinema em São Paulo, o ainda ameaçado de fechar Cinearte, localizado em plena avenida Paulista, e não aceitamos o valor proposto pela empresa (R$ 400 mil para a reforma, mais R$ 25 mil mensais para sua manutenção), como então lhe dissemos, "para não fazer feio à própria marca da BR".
Havíamos pedido a contrapartida diante do compromisso em marcha da BR Distribuidora em reformar o Cine Odeon, na velha Cinelândia do Rio, e da sua declarada intenção de reformar o Cine Belas Artes de São Paulo, gestados pelo mesmo grupo do Festival do Rio.
A reforma do Belas Artes e do Cinearte, ambas em São Paulo, não saíram, mas só agora sabemos que o Cine Odeon custa neste ano à BR Distribuidora uma verba de manutenção de R$ 1,8 milhão.
Não vou cansar agora o leitor sobre a quantidade de coisas que a Mostra BR de Cinema ofereceu em sua programação nas suas versões de número 25 e 26, ambas com a assinatura da BR Distribuidora. Isso pode ser verificado em nossos arquivos eletrônicos (www.mostra.org).
E sei bem que ninguém subtrai o direito de uma empresa estatal, mista ou privada, de designar executivos com o poder temporal para se promover com dinheiro próprio ou de renúncia fiscal.
O que não me parece correto é uma empresa estatal como a BR Distribuidora não ter exercido a democracia federalista, conforme se verifica agora, na distribuição de suas verbas que privilegiaram o Rio de Janeiro com 67% dos valores sobre o total de seus investimentos ditos culturais (Folha de 11/6/03).
Quero encerrar este manifesto pelo bem, dizendo que estou disposto a colaborar com os meus colegas do Rio, como sempre lhes disse estar, palavras que também repetia para a anterior gestão da BR Distribuidora. Quem sabe, uma programação compartilhada e paralela dos dois festivais reduza custos e torne ainda mais viáveis ambas as manifestações. Afinal, primo, embora pobre, ainda mais que tem o mesmo patrono, é para essas coisas.


Leon Cakoff é diretor da Mostra BR de Cinema - Mostra Internacional de Cinema em São Paulo


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Livro: Harry Potter vive crise de adolescência
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.