São Paulo, sexta-feira, 24 de junho de 2005

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CINEMA

O diretor catalão Joaquín Oristrell utiliza conceitos freudianos para satirizar a sociedade atual em "Inconscientes"

Comédia coloca a Espanha de hoje no divã

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Parece Conan Doyle, mas a ação se passa em Barcelona, em 1913, e não na Londres vitoriana. Parece apenas uma comédia romântica de ambientação histórica, mas é uma sátira ao conservadorismo que toma força nos dias de hoje.
O cineasta catalão Joaquín Oristrell, 47, conhecido como uma espécie de rei da comédia televisiva, conseguiu mesclar esse gênero tão atual com os folhetins do século passado em "Inconscientes".
O filme, que teve cinco indicações para o Goya deste ano, traz uma divertida investigação à la Sherlock Holmes cujo fio condutor é o impacto das teorias freudianas na sociedade espanhola daquele período. Trata-se de uma investigação irônica sobre a maneira como a elite de "modernos" dos anos 10 absorveu o turbilhão de novidades sobre sexo que surgiu a partir dos conceitos de Sigmund Freud (1856-1939).
Oristrell foi um dos que encabeçaram, em 2003, um protesto coletivo de artistas contra a decisão do governo espanhol de participar da Guerra do Iraque. O episódio inspirou o filme "Los Abajo Firmantes", lançado em 2003.
A seguir, em entrevista à Folha, por telefone, de Madri, Joaquín Oristrell fala de um novo momento de efervescência cultural em sua Espanha.

 

Folha - Por que fazer um filme sobre psicanálise?
Joaquín Oristrell -
Há tempos eu queria fazer um filme sobre o tema, mas sempre o situava na Espanha de hoje, e a história não saía. Então decidi transportá-la para princípios do século 20, que foi um momento de euforia para uma certa elite que se considerava moderna. Assim, encontrei um jeito de falar de psicanálise sem fazer uma caricatura.

Folha - Foi uma forma de falar da Espanha de hoje?
Oristrell -
Sem dúvida. Eu queria mostrar como, em muitos sentidos, nossos avós foram mais modernos do que nós. Na época, havia gente com dinheiro que tinha preocupação em conhecer os outros, em escutar melhor música, em inventar coisas. Preocupavam-se mais com o progresso do que com o sucesso. Eram mais ilustrados e curiosos.

Folha - Estamos numa época mais conservadora?
Oristrell -
Sim. A sociedade tem mais coisas e quer mantê-las. Por outro lado, hoje as relações se estabelecem de modo mais fácil, com a internet e os celulares. É possível se relacionar com o outro sem se comprometer. É contraditório, estamos numa época mais conservadora, mas, ao mesmo tempo, menos comprometida.

Folha - Você foi um dos que comandaram o protesto contra a Guerra do Iraque na entrega do Goya. A Espanha mudou desde então?
Oristrell -
Houve uma chamada de atenção. Os que nos governam já não decidirão coisas sem levar em conta a ida das pessoas às ruas. Por isso a direita, depois de tanto tempo no poder, se isolou, o que deu a vitória a Zapatero.

Folha - Acha que a "era Zapatero" pode gerar uma nova "movida madrileña" [período de efervescência cultural motivada pela redemocratização da Espanha após o fim da ditadura de Franco]?
Oristrell -
Sim, é uma época de renovação cultural. Governos progressistas deixam manifestar tendências que nunca floresceriam com a direita. Por outro lado, também a direita provoca manifestações criativas, pois gera uma arte de enfrentamento.


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