São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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Olhar feminino dá qualidade à literatura policial

Para P. D. James, gosto pelo detalhe e interesse nas emoções explicam o sucesso das mulheres nas histórias detetivescas

Ela diz que não apreciava muito o detetive Poirot, de Agatha Christie, com seu jeito excêntrico, seu bigode e seus "maneirismos"


DO EDITOR DE INFORMÁTICA

"Na história detetivesca clássica, que depende de pistas cuidadosamente distribuídas e raciocínio preciso para criar uma trama, as mulheres realmente têm se saído muito bem. Talvez porque nós sejamos interessadas nas emoções humanas, em vez de nas armas ou na violência. Nós tratamos da reação das pessoas aos crimes. E claro que a criação de pistas depende de ter um olho para o detalhe, e as mulheres são detalhistas." Assim pensa P.D. James, que nesta entrevista fala também sobre sua carreira e seus métodos de criação. (RODOLFO LUCENA)

 

FOLHA - Seu primeiro livro foi publicado quando a senhora tinha 42 anos. O que a levou a escrever?
P.D. JAMES -
Desde a infância, sempre quis escrever, mas comecei tarde. Eu tinha 19 anos quando a Segunda Guerra estourou. Eu vivia em Londres, havia muitos bombardeios, o futuro era incerto. Meu marido voltou da guerra com problemas mentais. Nós tínhamos duas filhas pequenas, eu precisava sustentar a família. Os anos passaram, e um dia eu percebi que nunca ia aparecer o momento certo. Eu tinha de começar logo. Então escrevi minha primeira novela.

FOLHA - Quando escrevia?
P.D. JAMES -
Eu planejava a trama no caminho para o trabalho e escrevia durante os finais de semana e nos feriados. Foi por isso que demorou tanto. Comecei o livro com 35 anos e tinha 42 quando ele foi publicado.

FOLHA - E por que histórias de detetive?
P.D. JAMES -
Eu gostava muito de lê-las na minha adolescência -e gosto ainda hoje. Eu pensava que poderia escrever boas histórias, que teriam boas chances de serem aceitas para publicação, já que o gênero é muito popular. Gosto muito da estrutura da novelas de detetive. De Agatha Christie a John Le Carré, com suas novelas de espionagem, a estrutura geral é sempre a mesma: você tem um crime misterioso -assassinato, em geral-, um pequeno grupo de suspeitos que tiveram meios, motivo e oportunidade, um detetive que investiga as pistas e, no final do livro, chega-se à solução. E veja como essa fórmula pode incluir tantos talentos e tanta diversidade...

FOLHA - Mas a literatura policial é considerada, por alguns críticos, como gênero menor.
P.D. JAMES -
Talvez algumas histórias sejam realmente menores. Eu nunca sofri desse preconceito. Faço até parte da Câmara dos Lordes e sou muito bem-aceita como escritora de qualidade. Mas é verdade que a literatura policial às vezes é vista como menos séria.

FOLHA - Sua primeira novela foi estrelada pelo investigador Dalgliesh. Como construiu o personagem?
P.D. JAMES -
Pensei muito sobre ele. Eu não gostava muito do modelo Poirot [detetive criado por Agatha Christie], tão excêntrico e peculiar, com seu bigode e seus maneirismos. Eu tinha que inventar alguém que pudesse se desenvolver ao longo de uma série, que tivesse credibilidade tanto como detetive profissional quanto como ser humano. Eu lhe dei qualidades que admiro muito: eu o fiz muito inteligente e perspicaz, sensível e compassivo, mas não sentimental; corajoso, mas não temerário. Eu o fiz um poeta, pois queria que ele tivesse algum talento artístico. Ele tem, claro, muito mais sorte do que eu, pois não envelhece... Ele fica lá, no início da meia idade, enquanto eu já tenho 85 anos.

FOLHA - Ao longo dos anos, o que mudou em suas histórias?
P.D. JAMES -
Minhas histórias estão mais longas, mais complexas, mais tramadas. Têm mais profundidade psicológica e provavelmente estão mais envolvidas com a vida da sociedade inglesa contemporânea. É é importante que cada história esteja claramente adaptada à sua época. Assim, Dalgliesh se envolve cada vez mais com as compulsões, interesses e problemas do nosso tempo.

FOLHA - Nas suas histórias, há muitos detalhes técnicos e científicos. Como a senhora faz para se manter atualizada? Tem um grupo de pesquisadores?
P.D. JAMES -
Eu mesmo faço toda a pesquisa que considero necessária, além de ter minha própria experiência [no Home Office, que tem funções semelhantes ao Ministério da Justiça, e no departamento de polícia, entre outros]. Tenho amigos na área forense, que sempre me deram muita ajuda, e também tenho alguns amigos policiais que me ajudam. Eu faço muita pesquisa, tento pegar todos os detalhes corretamente, com precisão. Em "O Farol", por exemplo, uma das personagens, miss Burbridge, faz bordados. E eu cheguei a visitar uma bordadeira para ver exatamente como ela trabalha -a pequena cena em que ela aparece fazendo seu bordado foi pesquisada muito detalhadamente. Outra coisa com que eu tive de ser muito cuidadosa foi sobre a doença que atinge Dalgliesh, e sobre ela eu obtive muita informação por e-mail, trocando mensagens com um médico de Toronto. Assim, eu pude colocar tudo certo sobre o período de incubação, sobre os sintomas e o progresso da doença. Acho que devo isso a meus leitores, ser precisa, e eu trabalho bastante para isso.

FOLHA - Além dos detalhes técnicos, a senhora procura dar um certo tempero sexual às suas histórias...
P.D. JAMES -
É, acho que sim. Eu tenho muito interesse no comportamento da sociedade moderna, apesar de já ser velha. E claro que, sendo membro da Câmara dos Lordes, eu recebo muita informação. Então eu consigo ficar atualizada sobre todos os tipos de assunto e os coloco nos livros se considero apropriado.

FOLHA - Como a senhora trabalha hoje? Como é sua rotina diária?
P.D. JAMES -
Quando eu estou escrevendo uma história -o que não acontece hoje, pois eu estou pensando na trama ainda-, gosto de escrever bem cedo pela manhã. Eu escrevo à mão, usando papel pautado. Gosto de estar sozinha em casa, não consigo escrever com gente em volta de mim. Daí, às 10h, minha secretária chega, e eu dito para ela o que escrevi. Ela digita num computador, imprime o texto e eu depois faço as correções necessárias. Eu gosto de ditar, porque gosto de ouvir os diálogos e o ritmo da prosa.

FOLHA - E quando a senhora não está escrevendo? Tem uma vida de lazer e diversão?
P.D. JAMES -
Eu nunca levo uma vida de lazer, eu sou terrivelmente ocupada. Como meus livros foram publicados em tantos países, a quantidade de correspondência diária, por e-mail ou por carta é muito grande. Eu também tento ir à Câmara dos Lordes, apesar de não ir tão freqüentemente quanto eu deveria. Eu acabo perdendo alguns debates, mas eu realmente tento participar. Bem, além disso, eu faço algumas coisas para entidades de caridade e, claro, eu gosto de ver minha família o máximo possível. Eu tenho duas filhas, cinco netos e quatro bisnetos, então é muita gente para ver.

FOLHA - "O Farol" acaba de ser publicado no Brasil. O que a senhora pode dizer sobre essa história?
P.D. JAMES -
Meus livros, com freqüência, são ambientados em Londres ou na Costa Leste. Então, o cenário dessa história foi bem diferente, uma ilha totalmente imaginária -as ilhas têm algo de empolgante, de emocionante. Acho que a trama foi muito forte e funcionou bem. Espero que tenha sucesso no Brasil.

FOLHA - A senhora já tem planos para um novo livro?
P.D. JAMES -
Bem, eu tenho o começo de uma idéia, mas está ainda num estágio muito primário. Em geral, minhas histórias começam pela criação do ambiente. Agora, eu tenho uma idéia, mas ainda não consegui definir o cenário, o que é muito desconcertante. Acho que ainda vai levar um tempo, eu espero ainda produzir pelo menos mais um livro. Eu sempre fico mais feliz quando estou planejando a trama de uma história ou quando estou escrevendo, eu não gosto muito desse período de entresafra, apesar de eu estar tão ocupada hoje. Eu vou ficar mais feliz quando começar um novo livro....


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