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São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2003

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Julio Bocca inicia "preparação mental" para aposentadoria

JACINTO ANTÓN
DO "EL PAÍS"

Simpático, natural e nada arrogante, Julio Bocca, 67, não atende à descrição de um deus da dança, ainda que seja uma das maiores estrelas internacionais no firmamento dessa arte. O bailarino, que faz uma série de espetáculos no festival Grec de Barcelona, com seu Ballet Argentino, falou sobre como será a etapa final de sua carreira, agora que atingiu a maturidade física. Bocca, ao ser questionado sobre sua principal virtude como bailarino, respondeu: "O coração que exibo no palco".
O bailarino, que se apresenta de 5 a 17 de agosto no Festival de Dança de Madri, no teatro Coliseum, valoriza sua disciplina. "A dança não é só talento, é trabalho constante", diz.
Julio Bocca dedica o primeiro dos programas da temporada ao tango ("Boccatango") e o segundo, a peças de dança clássica, moderna e contemporânea, entre as quais as estréias "Night Chase", de Chet Walker, e "Macbeth", uma coreografia de Ana María Stekelman sobre obra de Shakespeare. Nessa peça, o bailarino interpreta os dois papéis principais, Macbeth e Lady Macbeth.
Fora do palco, Bocca é normal até o ponto do quase anonimato. Sua imagem contrasta vivamente com os cartazes publicitários que o mostram como um semideus nu, com textura de estátua helênica. Mesmo ao natural, seus braços musculosos o atraiçoam, e o cabelo com cachos que lhe recobrem a fronte sugerem o penteado de Alexandre Magno.
""Boccatango" é uma coreografia criada no final de 2001 para uma temporada de duas semanas no teatro Maipo, de Buenos Aires, que se estendeu a dois meses devido ao sucesso", relembra Bocca. "É uma peça muito simples, não há história, trabalhamos com oito músicos, dois cantores e seis bailarinos em cena, além dos temas clássicos do tango argentino, especialmente de Astor Piazzola."

O último Romeu
"Não atendo mais aos pedidos de bis porque estou morto no final do espetáculo", afirma o bailarino. A confissão serve para abordar o tema do declínio físico, um tabu para muitos profissionais da dança. "Trabalhei durante 17 anos no American Ballet Theatre e participei de grandes produções lá. Neste ano, fiz o último "Romeu e Julieta" de minha carreira. O esforço estava começando a me custar demais. Pouco a pouco estou deixando o balé clássico para fazer mais contemporâneo e também para poder beber mais cerveja. Já passei dos 36 anos", brinca Bocca.
"Não estou cansado", prossegue o bailarino. "Mas estou me preparando mentalmente para o momento da aposentadoria. Não foi fácil a decisão de fazer meu último Romeu. Naquele espetáculo, comecei a chorar, com minha parceira, desde o primeiro ato, e todos os demais bailarinos e técnicos choraram. Todo o Metropolitan acabou chorando."
Bocca recorda que tem 22 anos de carreira profissional. "Realizei todos os meus sonhos. Fiz mais do que pensava e imaginava", diz.
Falar de fim de carreira o obriga a relembrar o início. "Comecei a dançar de forma natural. Minha mãe era professora de dança e eu estava cercado pelo balé. Com nove anos, eu disse que queria estudar balé. Não fui obrigado."
Sobre a situação na Argentina, o bailarino diz que uma enorme efervescência artística contrasta com a crise econômica e social. "Aprendemos a valorizar o que é nosso. Temos bons poetas, bons escritores, bons bailarinos. Tudo, menos bons políticos."


Tradução Paulo Migliacci


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