São Paulo, domingo, 24 de julho de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Cavernas, catacumbas e CPI

Ana Ottoni/ Folha Imagem
O ex-tesoureiro do PT almoça com advogados na sala reservada da CPI: "Prefiro não responder"


Tarde de quarta-feira, 20. Silvio Pereira, ex-secretário do PT, depõe na CPI dos Correios. O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) chega, esbaforido. Cochicha aos jornalistas: "Chegaram os documentos do Banco Rural. Cai a metade da bancada do PT." É a senha. Os jornalistas começam a correr para a "Caverna do Batman". É assim que se chama a saleta, no subsolo do Senado, em que ficam guardados os documentos sigilosos da comissão. Atenção: sigilosos. Não podem vir a público. Devem servir exclusivamente para a investigação dos parlamentares. Neste dia, chegaram os documentos que revelavam os nomes das pessoas que receberam os milhões de Marcos Valério.
 

A notícia começa a se espalhar. Um repórter da TV Globo conta a novidade à deputada Denise Frossard (PPS-RJ). "Tem coisa nova e boa aí", diz. Frossard responde com uma piscadela. "Vai lá que tem bomba", diz outro repórter ao senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
 

A "Caverna" começa a lotar -e a sala da CPI, onde depõe Silvio Pereira, a esvaziar. Denise Frossard chega, falando ao celular: "Estou entrando na sala dos martírios". Depois chegam os senadores Álvaro Dias, Demóstenes Torres (PFL-GO), Sérgio Guerra (PSDB-PE), os deputados Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), José Eduardo Cardozo (PT-SP), Zulaiê Cobra (PSDB-SP). "Mas aqui é o que? Uma catacumba?", pergunta Zulaiê.
 

Os jornalistas ficam na ante-sala. Só parlamentares podem ver os documentos. ACM Neto abre a porta de vidro. É cercado por repórteres. Suspense. "São coisas muito sérias que têm lá dentro. Não dá para ficar vazando assim." Muxoxo geral. "Vocês sabem que eu adoro colaborar. Adoro conversar com vocês. Mas dessa vez tem que ser uma coisa mais pensada aí...".

ACM Neto corre para o gabinete do PFL. Conta tudo para o líder do partido, Rodrigo Maia (RJ). Que conta tudo para os blogs de Brasília. Bomba!!! A mulher do petista João Paulo Cunha está na lista! O deputado petista Josias Gomes está na lista! O líder petista Paulo Rocha está na lista!
 

Parlamentares e assessores comentam as novidades na sala de reuniões do PFL. São servidos sucos, sanduíches, pãezinhos de queijo. "Você tem que ensinar o seu avô [senador Antonio Carlos Magalhães] a brilhar", diz um assessor a ACM Neto, que tem aparecido dia sim, outro também, nas telas das TVs. "Daqui a pouco vou passar as informações para ele [avô] ficar "up-to-date'", diz ACM Neto.
 

Na "Caverna", a luta continua. Sai da sala o senador Sérgio Guerra. Entrega um papelucho aos repórteres com os nomes de mais pessoas que aparecem na lista sigilosa dos saques milionários: Bispo Rodrigues, Jacinto Lamas, Roberto Pinho. São 19 h, e o "taxímetro" registra: já foram identificadas 20 pessoas; os saques chegam a R$ 20 milhões. O "taxímetro" de Simone Vasconcelos, funcionária de Valério, já está em R$ 4 milhões. "Vai dar uns R$ 30 milhões", diz Álvaro Dias. "É um cálculo meu. Tô chutando, né?".
 

Sai da "Caverna" o deputado Onyx Lorenzoni. Ele é suspeito de já ter roubado um documento da sala sigilosa, causando o maior forrobodó. Lorenzoni nega a acusação. Os repórteres perguntam a ele sobre Paulo Menicucci, do PSDB mineiro, que aparece na lista de saques: "É Menicucci ou Menigucci?". E Lorenzoni: "Tá ficando boa essa conversa! Cu ou Gu?". Sai da "Caverna" o deputado Pompeu de Mattos. "Atenção, pessoal". Todos calados. "Autorizaram a entrega de R$ 650 mil em carros-fortes". Ele lê um fax. Ninguém entende. "Eu só estou lendo. O rolo é tão grande...vocês me ajudem, né?" "E o placar da Simone, deputado?" "Já está em R$ 9 milhões", diz Mattos.

Na sala de depoimentos, Silvio Pereira nada diz. A senadora Heloisa Helena tenta arrancar dele uma confissão. Faz referência aos documentos da "Caverna". "O que eu vi ali, Suplicy... um esquema de milhões." Pereira segue calado. Nos telejornais da noite, nos jornais do dia seguinte, os documentos gritam: o "taxímetro" da corrupção havia chegado, em poucas horas, a R$ 25 milhões.
 

No dia seguinte, os trabalhos da CPI começam às 6h30. Os primeiros a chegar são sempre Heloisa Helena, ACM Neto e Eduardo Paes. São os primeiros a se inscrever para fazer perguntas -neste dia, a Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Logo depois chega o senador Demóstenes Torres (PFL-GO). "Ô Heloisa, sabe aquele trem que sumiu? Reapareceu na primeira página de um jornal." Demóstenes referia-se ao documento do saque de R$ 50 mil da mulher de João Paulo Cunha no Rural.
 

Parlamentar que chega cedo dá mais entrevistas ao longo do dia. As rádios madrugam: são 7h e elas já estão na sala da CPI. "As provas são suculentas, mostram uma organização criminosa", diz Denise Frossard à Jovem Pan. "Eles [PT] se lambuzaram no banquete farto do poder", diz Heloisa a uma rádio de Campo Grande. Álvaro Dias ajeita os cabelos, fala à rádio Bloomberg. "Tenho a convicção de que o Pimenta da Veiga [tucano como Dias e que recebeu dinheiro de Valério] não tem nada a ver com isso." Um assessor grava as entrevistas de Dias e as envia a 4.100 rádios do país.
 

O senador Sibá Machado (PT-AC) é o único petista a chegar cedo e defender o governo. "A coisa "tá" difícil", desabafa, depois de falar às rádios. "Estou fazendo até terapia de grupo com os militantes lá do Acre." Sibá conta que, há anos, quase se afogou no rio Poti, no Piauí. "Lembro do desespero para me segurar em alguma coisa. Eu olho nos olhos dos militantes e vejo que têm a mesma sensação."

O ex-tesoureiro do PT chega por volta de 9h30 e vai para uma salinha reservada. "Estamos que nem véspera de exame oral", brinca o advogado Arnaldo Malheiros. No dia anterior, ao acompanhar Silvio Pereira, Malheiros foi "flagrado" por Arnaldo Faria de Sá escrevendo no laptop: "CPI é um saco".
 

Todos a postos para a entrada de Delúbio: parlamentares, jornalistas, curiosos. Ricardo Lobo, vizinho do deputado Roberto Jefferson, criou um blog, "Vizinho do Jefferson", em que relata os passos do parlamentar. Conseguiu credencial de imprensa para ver Delúbio.
 

Começa o depoimento. Delúbio faz um breve relato de sua vida. De militante. De sindicalista. Dos bons tempos. Os parlamentares estão afiados. Dizem que ele é mentor de uma quadrilha. Perguntam se conhece uma prisão. No intervalo do almoço, Delúbio se esconde no banheiro. Só sai de lá quando os advogados, vendo que a maior parte dos jornalistas também foi comer, acenam: "Pode vir".
 

O depoimento recomeça. Delúbio dá as mesmas respostas, na maior parte das vezes diz que prefere "não responder". Às 20h15, acendem os flashes da TV Globo. É hora da entrada ao vivo do "Jornal Nacional". Vários parlamentares, como Luciana Genro, levantam de seus lugares e -que coincidência! -se posicionam atrás do repórter da TV. Bingo! Aparecem na telinha.
 

O depoimento de Delúbio passa da meia-noite. Os parlamentares o chamam de irresponsável. De ladrão. De facínora. Um dos últimos a perguntar, o senador Efraim Morais (PFL-PB) diz a Delúbio: "O senhor era investigativo, de um partido investigativo. Como se sente neste momento, sendo quase um réu confesso?" Delúbio segura o microfone. E repete uma vez mais: "Prefiro não responder".


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