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CLÁSSICO
Atriz faz a prostituta Nana num dos mais inovadores filmes do diretor
Em "Viver a Vida", Godard inventa o mito Anna Karina
Divulgação
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Anna Karina em cena de "Viver a Vida", de 1962, um dos sete filmes que rodou com Godard |
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
A garota se chamava Hanne
Karin Bayer. Era dinamarquesa. O pai abandonara a família
em Copenhagen, a mãe não se importava muito com o destino da
menina. Quando ela chegou a Paris, em 1958, para tentar a vida como atriz, tinha 18 anos. Passou fome. Arrumou alguns bicos como
modelo. Foi Coco Chanel quem
sugeriu que mudasse de nome.
Hanne Karin virou Anna Karina.
Em 1959, Jean-Luc Godard viu o
rosto de Karina numa publicidade. Pediu que a convidassem para
uma ponta em seu primeiro longa. Ela recusou o papel, pois teria
que aparecer de sutiã. O filme era
"Acossado" (1959), que provocou
uma revolução no cinema.
Godard voltou a procurá-la para o seu segundo longa, "O Pequeno Soldado" (1960). Desta vez, ela
aceitou o papel. Eles se apaixonaram. Fizeram "Uma Mulher É
uma Mulher" (1961), o filme mais
feliz do diretor, e se casaram. Em
1962, Godard filmou "Viver a Vida", que transformou Anna Karina num mito do cinema.
Menos cinéfilo que "Acossado",
menos provocativo que "O Pequeno Soldado", menos esportivo
que "Uma Mulher É uma Mulher", "Viver a Vida" foi o filme
com o qual Godard, sem abrir
mão da inovação, venceu a maior
parte das resistências críticas que
ainda havia ao seu cinema.
A partir de um tema relativamente freqüente no cinema francês, a prostituição, Godard avança sobre questões sociológicas e
filosóficas, realizando uma obra
de corte ensaístico, que, no entanto, é uma de suas narrativas mais
inteiras, mais belas e mais tristes.
Até hoje surpreende como ele
conseguiu conciliar a história trágica da jovem Nana com discussões da filosofia da linguagem e
do existencialismo de Sartre. De
repente, estamos num café em Paris e a protagonista começa a travar um maravilhoso diálogo com
o filósofo francês Brice Parain...
"Viver a Vida" está dividido em
12 "quadros", o que pode ser entendido tanto no sentido pictórico quanto no de cenas teatrais.
Godard insiste na intenção teatral
do filme, evocando Brecht, em cuja dramaturgia foi buscar inclusive a técnica de distanciamento.
A invenção godardiana está a
pleno vapor. Neste filme ao mesmo tempo intimista e social, a câmera, muito livre, lírica e reflexiva, apronta sucessivas reinvenções do plano/contraplano, do
primeiro plano e do close-up.
As seqüências ora se estendem
em momentos de pura observação ou improviso, ora são feitas
de movimentos de câmera que
"montam" o filme no interior do
plano (a câmera-metralhadora no
bistrô), ora são submetidas a cortes abruptos e secos. Godard radicaliza procedimentos de Rossellini, Bresson e dos filmes da série B
(aos quais dedica "Viver a Vida"),
eliminando cenas de transição e
indo diretamente ao centro da
narrativa e ao coração do cinema.
O filme é também um conjunto
de retratos da protagonista, como
um pintor que registrasse o seu
modelo em variadas situações.
Certos planos de Karina se inspiram em Manet e em Picasso. Outros se referem aos filmes de Griffith, Dreyer, Bergman, três dos
principais retratistas do cinema.
No esforço de Godard de alinhar o cinema ao alto modernismo, variados elementos da arte e
da crítica contemporâneas são
convocados em "Viver a Vida".
Quando Karina olha para o espectador ou a câmera se mexe como
um pêndulo, compondo com os
atores um móbile cinematográfico, a representação realista vai
por terra e o filme expõe decididamente a sua própria construção.
"Viver a Vida" é a história da
prostituta Nana mas também
uma reflexão sobre o "vampirismo" do artista sobre o seu modelo
-e que Godard supõe exercer sobre a imagem de Anna Karina.
Eles viveram juntos seis anos.
Fizeram sete filmes extraordinários -até "Made in USA", de
1966. Godard mergulhou no cinema militante. Karina seguiu carreira tortuosa, sem o brilho daqueles anos da nouvelle vague,
quando o seu amor por Godard, e
o dele por ela, coincidiu com a
paixão de ambos pelo cinema.
Viver a Vida
Diretor: Jean-Luc Godard
Lançamento: Magnus Opus
Quanto: R$ 40, em média
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