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FERREIRA GULLAR
Weissmann, poeta do espaço
Com a morte de Franz Weissmann, o Brasil perde um dos
reinventores de seu universo imaginário. Isto é, nossa capacidade
de criar beleza ficou menor. Há
menos um operário da beleza trabalhando agora em território nacional. Digo isso porque, sem
sombra de dúvida, com sua criatividade, esse austro-brasileiro
marcou algumas de nossas cidades com a presença de suas esculturas formalmente despojadas e
ricas de um mistério lúcido: a arte
como produto de uma geometria
sensível, de um jogo de probabilidades formais, quase um brinquedo.
Franz era de poucas palavras,
mas de muito afeto. Conheci-o na
casa de Mário Pedrosa, em 1952,
talvez; eu com 22 anos, ele com
40; eu ardendo entre a racionalidade e o delírio; ele, contido, redescobrindo o sonho na geometria. Depois, mudou-se de Belo
Horizonte para o Rio e veio morar, por acaso, no mesmo prédio
em que eu morava e no mesmo
andar; porta com porta, na rua
Visconde de Pirajá, em Ipanema,
em cima de uma loja que vendia
cerâmica. Tornamo-nos amigos e
essa proximidade afetuosa durou
até outro dia, quando seu coração
parou de bater.
Naqueles anos, a arte brasileira
vivia um momento de ruptura e
reinvenção: ruptura com a tradição modernista, que nascera nacionalista e mais tarde adquirira
um traço social e regional com
Cândido Portinari. A Segunda
Guerra Mundial favoreceu o desdobramento autônomo da arte
brasileira por interromper o contato com a arte européia. O fim
da guerra, de um lado, permitiu o
reatamento do intercâmbio cultural e, de outro, gerou um otimismo que se refletiu em iniciativas culturais como a criação da
Bienal de São Paulo. Foi na 1ª
Bienal que Franz Weissmann tomou conhecimento da arte de
Max Bill, cuja obra "Unidade Tripartida" ganhou o grande prêmio
do certame. Bill era o líder do grupo concretista de Ulm e o principal herdeiro das vanguardas
construtivas. Mário Pedrosa descobrira a arte concreta de Bill e
via nela uma nova expressão do
internacionalismo socialista de
que fora adepto e militante. Tratava-se de uma linguagem geométrica, universal por definição,
sem laivos de nacionalismo ou regionalismo.
O surgimento, no Brasil, da Bienal de São Paulo, em 1951, era um
estímulo a mais para o reencontro da arte brasileira com a modernidade internacional. A premiação de Bill foi decisiva para a
adesão dos jovens artistas à nova
linguagem artística que, diga-se
de passagem, quase nada tinha a
ver com nosso passado artístico,
recente ou longínquo.
Franz, austríaco de nascimento
e de temperamento, sem muita
dificuldade aderiu à nova estética, que adotou sem se desvincular
de imediato da linguagem anterior, na qual se misturavam elementos figurativos com elementos geométricos. Com tal afinco
entregou-se às novas experiências
formais que, dois anos depois, já
se libertara da influência de Bill,
abandonando as superfícies contínuas e não-orientáveis maxbilianas para interessar-se sobretudo pelo vazio -o espaço- que
veio para substituir, em sua escultura, todo e qualquer resquício da
massa opaca. Datam dessa época
as primeiras construções feitas
com delgadas barras de alumínio
que se desenvolvem no espaço, explorando-lhe a ambigüidade ao
mesmo tempo que lhe definia os
limites. Nessas obras, a forma se
assemelha a um desenho tridimensional no interior do espaço
-"dentro" dele-, funcionando
como mero sinal, indicação ou
sugestão que serve tão-somente
para revelar do espaço a vazia
plenitude, sua inesgotável potencialidade. Nos anos que se seguem, Weissmann elabora e apura essa expressão, descobrindo
ritmos cada vez mais econômicos
e incisivos para energizar o vazio.
Chega finalmente a conceber estruturas de grande leveza, que
oferecem ao espectador uma multiplicidade de perspectivas, de ângulos de visão, reveladores das
inesperadas e ricas direções do espaço redescoberto. É a partir de
então que Weissmann, chegado a
essa economia limite da forma,
volta a enriquecer suas construções, já agora preocupado com as
orquestrações desses ritmos de linhas e vazios de que são exemplo
duas de suas obras mais conhecidas daquela fase: "Torre" e "Ponte". No entanto tais obras ainda
guardavam as características da
construção racionalista do concretismo, que ele superaria nos
anos seguintes, quando sua escultura ganhou um sentido mais
aberto e poético, marca de sua
produção escultórica desde então.
Mas são muitos os caminhos
que ele descobre, as inovações que
introduz, sem alarde, em suas esculturas. A descoberta do espaço
adquire um significado mais
substancial à medida que encontra a unidade interior entre a forma e o vazio, uma relação dialética sutil que tentaríamos expressar dizendo que, desde então, em
sua obra, forma e espaço são o
verso e o reverso um do outro. E
essa íntima unicidade, mais espiritual do que material, impregna
suas obras de um significado novo, como se, de súbito, forma e espaço se mostrassem a nós pela
primeira vez.
A obra de Franz Weissmann
veio enriquecer a escultura brasileira, acrescentando-lhe uma
poética de rigor e leveza, rigor e
vôo. No momento em que a morte
a torna completa -como diria
Sartre-, ele, Weissmann, converte-se nela que, desde agora, é o
corpo disperso e imortal em que
passará a existir.
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